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Investigadora alerta que “Irão é o agente desestabilizador” no Médio Oriente

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O alastramento do conflito armado pelo Médio Oriente é uma realidade e não se limita ao Hamas e ao exército israelita que continuam em guerra na Faixa de Gaza. O Paquistão atacou alvos “terroristas” no Irão, depois de Teerão ter atingido alvos na Síria, no Iraque e no Paquistão. Os Estados Unidos realizaram o quarto bombardeamento de posições hutis no Iémen. A investigadora Diana Soller sublinha que o Irão é “o agente desestabilizador de todas estas guerras no Médio Oriente”. 

Ministério dos Negócios Estrangeiros do Paquistão. Islamabad, 18 de Janeiro de 2024.
Ministério dos Negócios Estrangeiros do Paquistão. Islamabad, 18 de Janeiro de 2024. AFP - AAMIR QURESHI
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RFI: O que representa, para a região, o ataque paquistanês ao Irão?

Diana Soller, Investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais: "O que eu penso é que o Irão é, acima de tudo, o agente desestabilizador de todas estas guerras no Médio Oriente. Todas estas guerras porque estamos a perceber que existe uma série de frentes abertas. Começou pela guerra Israel-Hamas - o Hamas que é uma ‘proxy’ do Irão – mas, neste momento, temos o Hezbollah no Líbano a ameaçar Israel com uma nova frente de guerra; temos os hutis a bloquear o Mar Vermelho; temos as milícias do Iraque e da Síria, também apoiadas pelo Irão a tentarem desestabilizar as forças americanas que estão na região;  agora temos esta nova frente com o Paquistão. Relembrar que o Paquistão é sunita e o Irão - e as suas ‘proxys’, todas menos o Hamas - são xiitas e é, digamos assim, uma desculpa para este ataque.

Eu diria que o Irão sabe que é muito difícil infligir uma derrota militar a Israel, mesmo que Israel seja atacado por todos os lados. Mas sabe que Israel tem uma grande fragilidade, aliás, que é uma dupla fragilidade: por um lado, que Israel tem este complexo de que está sozinho ou praticamente sozinho na região e, portanto, tem que se defender de todos os inimigos que possa vir a ter porque está em causa a sua sobrevivência como Estado; ao mesmo tempo, sendo uma democracia, é exigido a Israel um conjunto de padrões de comportamento internacional mesmo em guerra, que não são exigidos a grupos terroristas ou mesmo a Estados não democráticos. Uma vez que o Irão não pode vencer Israel militarmente através das suas ‘proxys’, o que está a fazer, do meu ponto de vista, é tentar isolar Israel ao ponto de que o próprio Israel se torne um Estado pária internacional e que deixe de ter apoio internacional, nomeadamente apoio militar."

Qual é o reverso da medalha? Que o conflito na Faixa de Gaza, por exemplo, se prolongue ainda mais?

"Não me parece que o conflito na Faixa de Gaza se vá prolongar, muito pelo contrário. Por dois motivos: primeiro porque as próprias forças israelitas já deram a entender várias vezes que, pelo menos, a norte de Gaza já estão a passar à terceira fase da operação, ou seja, já estão relativamente satisfeitos com a destruição que causaram ao Hamas e, portanto, aqueles bombardeamentos e aqueles fogos de artilharia tão pesados que vimos até aqui, estão cada vez mais a desaparecer e pensa-se que o mesmo irá acontecer, aos poucos, no centro e no sul de Gaza. Portanto, não me parece que faça sentido pensar que a guerra vá alastrar-se, muito pelo contrário."

Mas já há um alastramento do conflito pelo Médio Oriente.

"Isso é uma coisa diferente. Uma coisa é as operações em Gaza que me parece que a tendência é esmorecerem e até acabarem não dentro de muito tempo. A terceira fase que Israel promete é uma fase mais complicada no sentido em que, provavelmente, o que vai acontecer é Israel ir atrás das lideranças político-militares do Hamas, onde quer que elas estejam. Aliás, já vimos com al-Arouri, em Beirute. Isso sim, isso vai criar a possibilidade de outras forças ‘proxys’ do Irão de expandirem a guerra.

Agora, uma coisa é a guerra de Gaza e outra coisa é a expansão dessa guerra - parte pode ser atribuída a Israel no sentido que a operação de terminar ou de exterminar ou de eliminar a capacidade do Hamas de fazer ataques terroristas pode levar a actos que recebam retaliação de outros países. Agora, por exemplo, a questão dos hutis não me parece que tenha grandemente a ver directamente com Israel."

Os hutis dizem que os ataques se realizam em solidariedade com o povo palestiniano por causa da guerra na Faixa de Gaza…

"Bom, então assim, cada vez que que algum país entrasse em guerra, depois todos os outros grupos irregulares ou outros países podiam entrar em solidariedade. Quer dizer, essa figura não existe no direito internacional."

Então, para si, quem está por trás disto é o Irão?

"Não é para mim, acho que é perfeitamente evidente que quem está por trás disto é o Irão. O que é que o Paquistão tem a ver com a guerra entre Israel e o Hamas? Quer dizer, no fundo, o que nós estamos a ver é uma desestabilização de um único pião que é o Irão, que é o único que tem ligações a todos estes conflitos, não é? Portanto, nós só não vemos se não quisermos e se quisermos apenas olhar para a campanha de comunicação Irão/Hamas que foi montada desde o início do conflito.

Agora, eu não subscrevo essa posição. Eu acredito que Israel tem, de facto, responsabilidades, não tem o direito de disparar sobre tudo o que mexe, mas está numa situação muito complicada porque está a actuar numa zona densamente populacional onde não existe possibilidade - isto é uma coisa completamente nova nos conflitos – de os palestinianos fugirem para lado nenhum. Quer dizer, nós nunca vimos isto, não há nenhuma guerra que não tenha refugiados de guerra. Mesmo guerras contra o terrorismo, as pessoas podiam fugir. Aqui não podem.

Há aqui todo um contexto muito mais complexo nesta guerra do que a simplificação que os agentes do Hamas e do Irão queriam que nós víssemos que é: Israel é uma máquina de guerra que mata civis porque, enfim, sabe-se lá, não há uma justificação, mas dá-se a entender que é por crueldade, por vingança. Quer dizer, as coisas não são bem assim e é importante nós analisarmos as coisas, as várias perspectivas dos vários actores.

Nós temos um actor desestabilizador que é o Irão que está relacionado com todos os conflitos que estão a despontar à volta do Médio Oriente e, no fundo, estamos com os nossos olhos postos em Israel, como se nada mais estivesse a acontecer e a repetir acriticamente aquilo que o Hamas relata. E eu não acho que isso seja propriamente a verdade dos factos, digamos assim."

A entrada do Paquistão em mais uma frente, que consequências pode ter nos próximos tempos?

"É uma nova frente, é um novo risco que prova a minha tese - que, aliás, já tem um bastante tempo - que, na verdade, o que nós temos aqui é um processo estruturado e aberto aos poucos - porque não acontece tudo ao mesmo tempo- de desestabilização do Médio Oriente a um ponto em que uma de duas hipóteses tem que acontecer: ou tem que haver uma intervenção internacional para tentar travar este conflito ou então acaba por haver um escalar de tal forma grande que aquela região se torna inexpugnável, impossível de travar. E eu penso que é isso que esses agentes de desestabilização andam à procura."

Esta quarta-feira à noite, os Estados Unidos realizaram o quarto bombardeamento de posições dos hutis no Iémen. A situação continua, de facto, a escalar?

"Sim, sem dúvida nenhuma. O que é que se passa com os hutis? Os hutis – que são uma ‘proxy’ do Irão - estão a bloquear um veio de navegabilidade porque passa no Estreito de Ormuz e no Estreito de Aden, que é absolutamente fundamental para o comércio Internacional. Estamos a falar de 15% do comércio internacional que passava naquele estreito e que deixou de poder passar e que faz uma rota três a quatro vezes maior porque tem de passar todo o continente africano em vez de cruzar o Médio Oriente através do canal do Suez.

A liberdade de navegação é considerada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido como um bem comum internacional. Ora, e tendo em conta que os hutis estão, de alguma maneira, a quebrar esta fonte de liberdade de navegação, prejudicando muitos países do mundo - aliás, prejudicando no fundo a economia global porque 15% do comércio global passava por ali e inevitavelmente, todos esses produtos, o transporte tornando-se mais caro, os produtos em si também se vão tornar mais caros.

Os Estados Unidos entenderam que era preciso acabar com este entrave à navegabilidade e daí os ataques norte-americanos, até porque os Estados Unidos, em boa verdade, têm sido muito cautelosos relativamente ao uso da sua força militar na região que foi para lá imediatamente quando começou o conflito, provavelmente porque havia previsão de que outros actores se iam envolver no conflito com grande rapidez. E, por exemplo, não se têm envolvido militarmente com as milícias da Síria ou com as milícias do Iraque, que têm tentado bombardear e atacar posições americanas no Médio Oriente. Portanto, penso que relativamente aos hutis será um caso isolado que é justificado quer pela resolução das Nações Unidas, quer pelo bem da livre navegabilidade em si, mas não deixa evidentemente de contribuir, até pela proximidade geográfica, para um momento muito delicado no conflito Israel-Hamas."

Como é que vê os próximos tempos? Esta escalada vai continuar ou há alguma possibilidade de acalmia?

"Eu vejo os próximos tempos exactamente como têm sido até agora. Há uma situação muito delicada entre o Hezbollah e Israel que poderá abrir uma nova frente de guerra. Acho que estamos todos convencidos disso. Eu não sei ainda que tipo de estragos este quarto ataque dos Estados Unidos aos hutis criou, mas por aquilo que se sabia ontem, na melhor das hipóteses, 30% da capacidade dos hutis tinha sido destruída e os hutis continuam a operar no Mar Vermelho da mesma forma, portanto, é natural que os ataques norte-americanos continuem até aos hutis desistirem. A entrada do Paquistão neste problema regional também não é uma boa notícia. Portanto, é de prever que a desestabilização se mantenha ou até aumente um bocadinho. Vamos esperar que os actores democráticos, que não estão propriamente profundamente empenhados nessa desestabilização, tenham mais sucesso do que as forças desestabilizadoras porque senão podemos ter um problema a mais longo prazo."

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