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Jovens portugueses não sentem "foco" dos partidos nos seus problemas

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Os jovens portugueses são possivelmente a geração mais qualificada de sempre, mas batem-se com problemas como baixos salários, um mundo do trabalho pouco competitivo e dificuldades de emancipação devido ao aumento dos preços da habitação, sentindo que esta campanha eleitoral para as eleições legislativas não tem propostas para eles.

Os jovens portugueses têm saído à rua nos últimos meses em Portugal para se manifestarem contra os preços da habitação, mas também contra o aumento de ataques xenófobos no país.
Os jovens portugueses têm saído à rua nos últimos meses em Portugal para se manifestarem contra os preços da habitação, mas também contra o aumento de ataques xenófobos no país. AP - Armando Franca
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Portugal vai a votos no próximo dia 10 de Março, após um escândalo de corrupção ter motivado o fim do Governo socialista que até aí detinha a maioria absoluta. A RFI esteve em Portugal para discutir com analistas, académicos e activistas a importância destas eleições, que podem triplicar o número de deputados de extrema direita na Assembleia da República numa altura em que os portugueses sofrem com as consequências dos aumentos do custo de vida.

Nos últimos 20 anos, 850 mil jovens entre os 15 e 39 anos deixaram Portugal. Em 2024, os jovens portugueses continuam a sentir que não são uma prioridade no debate político, debatendo-se com dificuldades a vários nivéis como explicou Ana Beatriz Basílio, de 24 anos, em entrevista à RFI.

"Enfim, eu acho que neste momento não estamos a ser prioridade e temos cada vez mais jovens a ir embora de Portugal porque não se sentem representados aqui. E sem dúvida alguma que isso é algo que me preocupa, porque as políticas são cada vez menos feitas para os jovens e eu como uma jovem a mim é algo que me entristece. Ainda por cima uma jovem que está muito presente na política. Fico a pensar será que eu quero ficar neste país?", questiona a jovem.

Esta vontade de partir contribui para o problema demográfico de Portugal, sendo um dos países mais velhos do Mundo, atingindo agora também os jovens mais qualificados, como descreve a demógrafa Lara Tavares, Professora Auxiliar no ISCSP, Universidade de Lisboa.

"Em termos estritamente demográficos, é evidente que, uma vez que as pessoas que emigram tipicamente emigram no período fértil, ou seja, tipicamente no início de vida, e, portanto, quando irão estabelecer família, formar família fazem-no muitas vezes lá fora e depois precisamente porque os filhos nascem lá fora, acabam por ficar lá fora. Portanto, muitas vezes os regressos depois até se tornam mais difíceis. Se olharmos para trás, eu diria que Portugal, de uma forma ou de outra, em escalas diferentes, quase que sempre foi um país de emigração, não é? Portanto, isso em si não é propriamente uma grande novidade. Acho que a grande novidade agora é que, como em Portugal, houve um salto em termos qualitativos da qualificação dos jovens. A grande diferença é que muitos dos jovens que agora estão a emigrar já não são os jovens sem qualificações que eram no passado, mas muitos deles são também jovens qualificados", explicou.

Os baixos salários e a falta de progressão na carreira levam os jovens qualificados a quererem partir, segundo Rui Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Juventude.

"Hoje são as pessoas mais qualificadas a sair. Ou seja, aquilo que nós acreditávamos que era um incentivo maior por via da educação para capacitar a economia e fazer evoluir, tem evoluído, mas essas pessoas ao mesmo tempo estão a sair muito e isto leva-nos a um problema que é estamos a investir na educação e devido a várias situações as pessoas não ficam em Portugal. As oportunidades do emprego, as oportunidades que têm para ter uma carreira, para poder pensar no seu futuro que não acontece. Mas a questão é dos salários", indicou.

Cerca de dois terços dos jovens entre os 20 e 30 anos por conta de outrem recebe um sário inferior a 1000 euros. Uma tendência que só se inverte nalguns segmentos como finanças, engenharias ou saúde, mas onde entra a concorrência de outros países onde esses profissionais podem ser muito mais bem remunerados, como explica a economista Alexandra Ferreira Lopes, professora Associada no ISCTE, Instituto Universitário de Lisboa.

"O mercado de trabalho em Portugal é muito segmentado e há muita procura, por exemplo, de jovens licenciados em gestão, finanças, economia, contabilidade, informática, engenheiros que são profissões que neste momento muitas das empresas ainda procuram e têm necessidade. Por outro lado, outros jovens que sejam licenciados noutras áreas, em que já haja excesso de oferta de mão de obra não têm muitas  oportunidades. E também há outra ainda tipo de jovens que, por exemplo, estamos a falar das áreas da saúde, enfermeiros e médicos em que têm esta preocupação salarial e justa face aos anos que estudam, em que não encontram grandes oportunidades face ao esforço e ao investimento que tiveram na sua formação. Por isso, o mercado de trabalho está muito dividido", explicou a docente.

Como é ser jovem em Portugal em 2024?
A RFI esteve em Lisboa e no Porto para ouvir jovens portugueses.
A RFI esteve em Lisboa e no Porto para ouvir jovens portugueses. © Catarina Falcao

Salários que, segundo Mafalda Fernandes de 26 anos, não permitem aos jovens ter uma vida digna, tendo em conta os aumentos dos custos de vida, especialmente da habitação.

"Muitos jovens quando saem da faculdade não necessariamente vão ganhar o ordenado mínimo se trabalharem na área onde têm estudos, mas a verdade é que vão ganhar um ordenado que é muito baixo. Estamos a falar de um valor pouco acima daquilo que é o ordenado mínimo e isso traz muitos problemas. Primeiro com a inflação, não é? Desde as questões todas da guerra da Ucrânia que a inflação tem afectado e muito a sociedade portuguesa. E é um tema que muitas vezes os partidos políticos não abordam como deveriam abordar. O jovem, hoje em dia, se tiver um emprego, que seja com a ganhar 1.000 €, não consegue pagar uma casa", contou Mafalda Fernandes.

Mafalda Fernandes é psicóloga por conta próprio no Porto e activista na luta contra o racismo e tem muitas dificuldades em ver nos programas do partidos medidas que visem melhorar as condições de vida dos mais novos, especialmente porque a sociedade portuguesa é envelhecida e há muito mais pessoas mais velhas a votar do que jovens, logo os partidos tentam muito mais atrair as camadas da população que lhe darão mais votos.

"Eu acho que temos que dividir aqui muito bem os partidos à direita e à esquerda, não é? Eu sou uma pessoa apartidária, portanto não tenho intuito nenhum aqui de defender qualquer partido, mas acho que temos que fazer essa divisão. Sinto que os partidos à direita muitas vezes têm como o grupo alvo os jovens, prometendo algo que sinto que os jovens, estando atentos àquilo que se está a passar na nossa sociedade, percebem que essas soluções muitas vezes não são práticas. E depois temos os partidos de esquerda, que muitas vezes não necessariamente colocam os jovens no centro daquilo que é a discussão e, portanto, muitas vezes aquilo que é sentido pelos jovens é que nem sempre aquelas palavras que estão a ser ditas ali mesmo nos programas eleitorais e tudo o mais são em direção a nós. A verdade é que a maior parte de nós está sempre numa situação muito complicada, porque vivemos num país em que, se não me engano, a média de idades é de 55 anos. Portanto, vivemos num país extremamente envelhecido e vivemos num país em que o grupo eleitoral é maioritariamente idoso. O que significa que a maior parte dos partidos eleitorais, o maior foco deles é falar, por exemplo, em pensões que devem ser faladas, claro. Mas nós, jovens, nunca somos o centro nem o foco, porque dificilmente se ganha eleições em Portugal a contar com os jovens", declarou.

Alice Pão Alvo,universitária de 19 anos, tem tido também dificuldade em reconhecer-se nos programas, nomeadamente a desertificação do interior. Esta jovem de Castelo Branco viu-se obrigada a vir estudar para Lisboa para cursar Direito e questiona como é que se pode querer que mais jovens se fixem no interior sem hospitais, escolas nem emprego.

"Em relação ao problema da falta de oportunidades no interior. Eu acho que isto é um tema que é muito menos discutido. Eu sinto que é um problema que é, digamos, reconhecido na generalidade, mas que é um problema que é muito estrutural e que também por si só, isso faz com que seja muito mais difícil haver uma mudança. Porque nós temos os distritos do interior, como a Guarda, como Portalegre, como Castelo Branco, que elegem muito, muito poucos deputados para a Assembleia da República. E por muito que seja um problema que se reconhece, são precisamente estes deputados que efetivamente sabem quais são as dificuldades desses territórios. Nós precisamos de atrair os jovens para o interior. Só que nós, para atrair jovens para o interior, temos que atrair empresas que tragam vagas de trabalho. Mas também é muito importante nós focarmo- nos em coisas muito mais elementares estradas, hospitais, escolas que actualmente não existem", disse.

Outro ponto que os jovens também têm mostrado desagrado, é a falta de atenção às alterações climáticas na campanha eleitoral. Recentemente, activistas atiraram tinta verde contra Luís Montenegro, líder da coligação de direita, de forma a chamarem atenção para este fenómeno. Para Alice Pão Alvo, este é um tema que parece inquietar mais os jovens os restantes portugueses.

"Eu acho que é inegável, porque a própria ciência o diz, por exemplo, que a camada de ozono está a destruir-se e isso é um facto. Eu acho que os jovens têm uma particular sensibilização para a questão das alterações climáticas, até porque a verdade é que se calhar a geração mais adulta da actualidade já não vai sofrer consequências ou pelo menos consequências tão graves como a que a minha geração, e ainda mais, a geração que vem depois de mim, vai sofrer", indicou.

Uma sondagem do início do ano indica que muitos jovens encontram "refúgio" político no partido de extrema-direita Chega. Uma constatação também para a activista Ana Beatriz Basílio.

"Olhando para a faixa etária a que pertenço, cada vez vejo mais jovens com ideias totalmente estranhas. Pelo menos para mim são estranhas e não consigo compreender o que é que levou isto a acontecer. Este ano fazemos 50 anos do 25 de Abril, uma altura que nós nunca vivemos, mas que ouvimos tanto falar do que aconteceu no passado. Porque nos sujeitar novamente sequer a essa possibilidade? Para mim não faz todo o sentido e cada vez mais fico preocupada com o estado dos jovens em Portugal. Mas também consigo fazer ao mesmo tempo paralelismo com a questão de ok, porque é que os jovens cada vez votam mais em extremismos? Porque actualmente não se sentem representados", disse.

Mas os jovens vão votar no dia 10 de Março? Rui Oliveira, presidente do Conselho Nacional de Juventude acredita que sim e que falar da abstenção ligada aos jovens "é uma má premissa".

"Os dados que obtivemos mostram que os jovens até um bocadinho mais do que o resto da população em geral. Por isso essa é uma má premissa. Há que perceber que, naturalmente, os jovens hoje são muito menos do que o público idoso. Sabemos que a nossa demografia mudou imenso e que isso faz mudar muito aquilo que é a maneira como nós vemos de ir às urnas, em que vemos muito menos jovens porque também são muito menos jovens", explicou.

Nos 50 anos do 25 de Abril, e apesar de todos os problemas ligados à vida dos jovens portugueses, estes escolhem ainda acreditar num futuro melhor.

"Como pessoa negra portuguesa, não me é concedida a ideia de uma nacionalidade portuguesa. Parece que a minha vivência toda até hoje foi sempre muito do lado de fora. Nunca consegui encaixar inteiramente naquilo que seria o significado de ser português. No entanto, eu considero-me uma pessoa portuguesa e tenho muito orgulho do meu país e por isso mesmo eu acho que é importante nós falarmos as coisas que estão erradas, as coisas que aconteceram de errado no passado de forma a não repetimos os mesmos erros. É aí que reside a minha esperança para este país, não é? Apesar de tudo, eu acho que nós portugueses, temos muito o hábito de denegrir o nosso país e o deitar abaixo. Acho que é preciso fazer sempre uma contextualização e relativizar os problemas em Portugal, porque, apesar de tudo, Portugal tem uma qualidade de vida que não se tem em grande parte dos países do mundo inteiro e estamos a falar de 190 e tal países", concluiu Mafalda Fernandes.

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