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Kiki Lima, o pintor que “sempre” retratou o povo de Cabo Verde

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Kiki Lima diz que “sempre” pintou Cabo Verde. O artista cabo-verdiano leva para as suas telas, há mais de 50 anos, as gentes de Cabo Verde, o mercado do peixe, os pescadores, os músicos, as mulheres com filhos às costas, o baile, a morna, a coladeira e tanto mais. Fomos conhecer um pouco do seu universo, onde pintura, poesia e música andam de mãos dadas.

Kiki Lima
Kiki Lima © Carina Branco
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20:13

Entrevista ao pintor Kiki Lima

São corpos mergulhados na azáfama do trabalho, no ritmo das mornas e coladeiras, no calor do sol africano que bate de chapa e que é dado com cores imediatas, primárias, garridas. As pinceladas são fugazes e alegres, o gesto é dinâmico e determinado, e os rostos são anónimos porque representam um povo: o cabo-verdiano. Esta é a pintura de Kiki Lima, o artista que levou para as telas as vivências do arquipélago, o baile, as conversas de rua, os músicos, o mercado do peixe, os pescadores, os vendedores ambulantes, as mulheres com filhos às costas, e muito mais.

Kiki Lima recebe-nos em sua casa, no Mindelo, e a conversa leva-nos para a arte em geral, começando pela pintura, passando pela literatura, poesia e música. Ele próprio músico e compositor, mostra-nos uma canção do cabo-verdiano Rolando Semedo, intitulada “Cor (Ao Kiki Lima)”. “É uma bela homenagem”, diz, e, de facto, trata-se de uma homenagem ao pintor e à sua história. Vamos então à história...

Euclides Eustáquio Lima (nome artístico Kiki Lima) nasceu em 1953 e encontrou as primeiras bisnagas de tinta a óleo na loja do senhor Maninho Duarte, no Mindelo, em 1974. Meses depois, fez um curso de Desenho e Pintura por correspondência que pagava com boa parte do seu ordenado. Na altura, era funcionário na central sindical UNTC-CS  e recebe uma bolsa para estudar Direito do trabalho em Portugal, em 1983, mas ao segundo ano de curso, acaba por trocar o Direito pelas Belas-Artes de Lisboa. É então que a saudade da terra emigra para as telas que passam a ser habitadas pelo povo de Cabo Verde.

Eu lembro-me perfeitamente. Era um domingo de Páscoa, levantei às quatro da manhã para estudar a sebenta de Freitas do Amaral de direito administrativo. Eram nove da manhã e tinha lido quatro páginas! Fechei o livro, acordei a minha ex-mulher e disse 'Eu vou mudar de curso!' Vivia numa tensão muito grande porque em Lisboa entrei em contacto com um mundo muito maior das artes, vi que as minhas possibilidades eram outras e arrisquei”, recorda.

Fui para as Belas-Artes mas, antes de sair, disseram-me que eu era maluco porque trocar um curso de Direito pelas Belas-Artes é de malucos!”, acrescenta, com um enorme sorriso de orgulho pela coragem de outrora.

Kiki Lima acabou por ficar 21 anos em Lisboa, mas voltou para Cabo Verde em 2004 por causa “dessa coisa que os cabo-verdianos têm da nossa terra, da saudade”.

Vi que era possível trabalhar aqui e lá. Estar aqui para ter o meu ambiente preferido para pintar e ter o meu mercado lá porque continuava a não ter mercado aqui – se bem que nessa altura já vendia a entidades oficiais, ministérios. Quando os meus filhos acabaram a faculdade, então resolvi voltar para casa. Um regresso a meio gás porque continuo muito ligado a Portugal.

Kiki Lima diz que “sempre” pintou Cabo Verde e admite que a sua pintura “identifica-se toda com Cabo Verde”. “Sempre procurei encontrar nas vivências cabo-verdianas a minha identidade, aquilo com que me identifico, e procurei transmiti-lo através da pintura”, explica. Essa assinatura - complementada pela pincelada, pela cor e pelo movimento - surgiu em Lisboa, quando a saudade bateu à porta e quando quis contrariar os preconceitos que rodeavam a comunidade. Kiki Lima quer mostrar o lado luminoso de Cabo Verde para pesar contra a imagem de delinquência que saía “nos jornais todos os dias” quando se falava em cabo-verdianos.

Eu resolvi mostrar que Cabo Verde não era violência, que era alegria, música, dança, uma forma de estar descontraída. Para exprimir a dança e essa alegria, eu tive que trabalhar muito a cor e o movimento. Fui explorar muito daquilo que tinha aprendido com o impressionismo para tratar a cor", conta.

Ainda que o gesto amplo e as cores primárias sejam também expressionistas, Kiki Lima corrige logo, explicando que o expressionismo é associado a algo mais violento: “Eu fiz o expressionismo alegre e isso fez com que eu mudasse toda a minha técnica de pintura. Antes, eu usava pincéis estreitos, pequenos, mais impressionistas. Deixei de usar paleta de braço e usei paleta de mesa e trinchas largas para ter essa expressão não pormenorizada, mais gestual, mas cuidando sempre a base do desenho.

De certa forma, a sua pintura também contribuiu para "a chamada de atenção" da identidade cabo-verdiana, até pelas suas ligações ao movimento Claridade. Tanto é que há um trabalho universitário, de 2009, a fazer essa ligação, intitulado “O pictórico na poesia cabo-verdiana: dos Claridosos a Kiki Lima”, da autoria do brasileiro José Leite de Oliveira Júnior.

“Com a independência nacional é que houve abertura e a procura da nossa identidade cultural. A identidade que já existia mas que foi reprimida durante a era colonial. Foi nessa altura que eu tomei os primeiros contactos com a Claridade, nomeadamente com o doutor Baltasar [Lopes da Silva), com o Manuel Lopes com quem convivi também em Lisboa, com o Nhô Roque, portanto, eu ainda me alimentei um pouco do espírito da Claridade (…) O que eu fiz foi passar e interpretar essa literatura e encontrar essa identidade na pintura”, conclui.

Oiça aqui a entrevista.

 

20:15

ARTES Kiki Lima - Cabo Verde na pintura

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