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Artes

Gabriela Mendes: A “tradição” ainda é o que era

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A cantora cabo-verdiana Gabriela Mendes está a preparar novo disco e promete manter-se fiel à essência da música tradicional do seu país. Gabriela Mendes defende que é a sua “missão” proteger e transmitir esse legado que aponta como “a riqueza” de Cabo Verde. A RFI conversou com a cantora no Mindelo, a sua terra, de onde nunca quis sair para ficar mais perto das raízes e da inspiração.

Gabriela Mendes. Mindelo, 29 de Março de 2022.
Gabriela Mendes. Mindelo, 29 de Março de 2022. © Carina Branco/RFI
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Gabriela Mendes está a preparar o seu quarto álbum e adianta que “vai ser um disco de música tradicional mas com inovações”.

A Gabriela de hoje não é a mesma dos anos passados. Tenho mais maturidade, sinto a música de uma forma diferente. Tudo isso vai-se sentir na escolha dos temas e nos arranjos. Acredito que haverá pequenas fusões porque também gosto disso. Vai ser diferente, de certeza, do que já fiz até agora”, conta.

Vai ser tradicional, a morna, coladeira, que é onde eu me sinto melhor, mas bem diferente de quando a gente se encontrou em Paris, quando fiz Tradição”, acrescenta, lembrando que a capital francesa “é um dos sítios mais abertos à música de Cabo Verde” e que “o público francês é muito caloroso e muito receptivo”.

Foi em 2007 que a cantora gravou, em Paris, o disco de estreia, “Tradição”, em que revisitou compositores como Manuel d’Novas, Vasco Martins, Tcheka ou Amândio Cabral e retomou os ritmos do património musical de Cabo Verde, hoje património mundial graças à morna. Seguiram-se “Um Renovo Musical”, gravado nos Estados Unidos, “Talking Drums”, gravado na Suíça, e, este ano, o novo disco vai ser gravado num estúdio no Mindelo.

É a primeira vez que eu vou gravar na minha terra, com as pessoas que eu costumo trabalhar. Acho que vai ser ainda melhor porque já não temos que nos deslocar e estar num ambiente diferente. A motivação e a inspiração vão estar lá 100%. A música, o clima, o ambiente, tudo isso vai afectar, de certeza, o disco”, explica.

Gabriela Mendes nasceu em 1973, no Mindelo, na ilha de São Vicente, a terra de Cesária Évora, e acabou por ir ficando sempre nessa terra, apesar das oportunidades lá fora.

Eu gosto de estar perto das minhas raízes. Sinto-me bem cá e nunca senti necessidade de ter que viver no estrangeiro. Claro que se eu tivesse feito isso, talvez a minha carreira se tivesse posicionado de uma forma diferente, não sei, mas eu gosto de viver cá, é a minha casa. E gosto de sair de cá e ir para fora fazer concertos, passar momentos, mas não seria feliz vivendo fora de Cabo Verde”, admite, terminando a frase com um enorme sorriso.

Ainda que “o sonho de todo o artista é dedicar-se 100% à sua arte”, no Mindelo, “quase ninguém consegue viver só da música” e a cantora também trabalha na área do turismo. No entanto, a música está sempre presente.

A música é o nosso quotidiano, é a nossa forma de estar, de ver o mundo, de sentir as coisas. Aqui vivemos em ilhas, a gente tem uma limitação e há sempre essa necessidade de se exprimir, por isso há muita música aqui. A melhor forma que o cabo-verdiano encontrou é através da música. A música está em todo o lado, em festas familiares, em convívios de amigos, a nossa música retrata a nossa vida, a nossa vivência, a nossa história”, descreve.

O Mindelo é um viveiro de músicos e, desde criança, ela aprendeu as melodias tradicionais das mornas, funanás e coladeiras na rádio e nas festas locais. Depois, entrou na Escola Salesiana - de onde saíram nomes como Tito Paris, Paulino Vieira ou Bau - e tornou-se na solista do grupo coral. No final dos anos 90, encorajada por Bau, Voginha e Bius, Gabriela Mendes começou a dar concertos em bares e hotéis do Mindelo. O primeiro disco, “Tradição”, surge em 2007, em Paris, graças também ao músico Bau, que foi durante anos o chefe de orquestra de Cesária Évora.

Eu cresci ouvindo muita rádio. Eu sou de 73 e, nessa época, ouvia-se música tradicional essencialmente, mornas, coladeiras, galope, a Cesária, a Titina, a Betina Lopes, o Bana, a Celina Pereira. Toda essa gente é a minha referência em termos de canto e, depois, tive a oportunidade de trabalhar com músicos como o Bau, o Voginha, o Tey, convivi com o Manuel d’Novas, o Dani Mariano, o Jack Monteiro… Eu bebi dessa fonte, sinto-me mesmo honrada e privilegiada e esse é um dos motivos porque decidi ficar aqui: perto da minha fonte para continuar a alimentar-me.

Gabriela Mendes é uma defensora acérrima da música tradicional cabo-verdiana e teme as consequências do desinteresse da juventude por esta música.

“Os jovens estão mais interessados pela música moderna e há um perigo que a nossa música possa perder-se no tempo, a nossa identidade, porque também somos um povo de muita mistura. Se isso vier a acontecer seria muito triste porque depois vamos querer recuperar e talvez já seja muito tarde porque muitos dos nossos grandes músicos, compositores, trovadores vão desaparecendo e se não há uma nova geração que retoma isso de forma consciente e forte há, sem dúvida, uma possibilidade de perda de identidade na nossa música.”

Por isso, a cantora atribuiu-se como “missão” defender esse legado: “Sinto essa necessidade de dar a minha contribuição porque seria triste perdermos o que temos que é tão forte, que nos identifica, que é a nossa riqueza."

Oiça aqui a entrevista:

 

13:28

Entrevista à cantora cabo-verdiana Gabriela Mendes

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