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"Acordos pretendem sinalizar que, para os europeus, a Ucrânia não está sozinha"

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O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e o Presidente francês, Emmanuel Macron, vão assinar um acordo de segurança entre os dois países esta sexta-feira, 16 de Fevereiro, no palácio do Eliseu. Segundo a investigadora de Relações Internacionais do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Maria Ferreira, "estes acordos pretendem sinalizar que, para os europeus, a Ucrânia não está sozinha".

Macron e Zelensky vão assinar acordo bilateral sobre segurança esta sexta-feira, 16 de Fevereiro. (ilustração)
Macron e Zelensky vão assinar acordo bilateral sobre segurança esta sexta-feira, 16 de Fevereiro. (ilustração) AFP - EMMANUEL DUNAND
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RFI: O acordo surge poucos dias depois das declarações do novo chefe de Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia que descreve a situação militar da Ucrânia como "extremamente preocupante". Como é que interpreta esta declaração?

Maria Ferreira: A Ucrânia está numa situação particularmente sensível devido à falta de artilharia e à falta de munições e às grandes linhas de frente, sobretudo ao nível da defesa aérea. Este acordo, que vai ser assinado entre a França e a Ucrânia, na presença do Presidente Volodymyr Zelensky, segue-se à necessidade que o Presidente ucraniano sente em recentrar a atenção na Ucrânia após, desde Outubro de 2023, depois da atenção mediática se ter-se centrado sobretudo no Médio Oriente. Este acordo cumpre os acordos prévios estabelecidos no contexto do G7 e da Cimeira da NATO, em Julho de 2023.

Nessa altura, no verão de 2023, os membros do G7 não se comprometendo com a possível adesão da Ucrânia ao bloco, manifestaram o seu empenho em providenciar segurança à Ucrânia a longo prazo e que, no longo prazo, significa no mínimo de dez anos. Sendo que quer a França, quer o Reino Unido assinaram acordos bilaterais ou prometeram assinar acordos bilaterais com a Ucrânia no sentido de providenciar um pacote de ajuda que, no caso do Reino Unido, foi um pacote de 2,5 bilhões de libras a serem transferidas durante o próximo ano. Este é o maior pacote de ajuda britânica à Ucrânia desde o início da guerra, tratando sobretudo de ajuda militar com mísseis de longo alcance, drones, munições e segurança marítima e algo que para a Ucrânia fundamental, que é a segurança aérea. Estes acordos prevêem o fornecimento de equipamento militar moderno, bem como o treino de efectivos militares ucranianos, o que é particularmente importante numa altura em que se espera que a Rússia, agora com a primavera, desenvolva ofensivas de larga escala no território ucraniano.

O Reino Unido foi o primeiro país a chegar a um acordo, durante a visita do primeiro-ministro britânico a Kiev em Janeiro. Até agora, os países da União Europeia não tinham dado esse passo. A França pode fazê-lo. A União Europeia está preocupada com a segurança dos países europeus?

A União Europeia está preocupada porque está a chegar à conclusão que, do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, a tradicional aliança europeia e norte-americana na gestão da segurança europeia que vem de 1949, que é a NATO, pode estar comprometida. A França tem sido um aliado da Ucrânia. Estava, aliás, previsto que Macron visitasse a Ucrânia ainda neste mês de Fevereiro. É muito importante dizer que Rishi Sunak visitou a Ucrânia em Janeiro e foi a sua primeira visita de Estado de 2024, o que é de assinalar. Estes acordos que a Ucrânia está a tentar assegurar assumem especial relevância quando as políticas e o avançar do caminho de Donald Trump para Washington está claramente a ser um entrave no empenho norte-americano em continuar a auxiliar a Ucrânia, tendo Donald Trump inclusive ameaçado a própria existência da Aliança Atlântica e, com as suas declarações, assumido aquilo que pode ser um futuro apoio inequívoco e um pouco paradoxal de Washington sob uma presidência de Trump a Moscovo.

Quer a França, quer o Reino Unido têm pressionado os aliados europeus para a manutenção da ajuda à Ucrânia e têm preparado a indústria de defesa europeia para uma espécie de economia de guerra, ou seja, para o prolongamento da guerra. O que também vai, diga-se, aliás, estimular a produção de armamento que a Ucrânia precisa, desesperadamente, para conseguir segurar a sua frente leste. Portanto, estes acordos pretendem sinalizar que, para os europeus, a Ucrânia não está sozinha. E aqui, quando digo para os europeus, estou também a incluir o Reino Unido. Será interessante avaliar a posição britânica, se Donald Trump chegar ao poder. É preciso relembrar que estes acordos, sendo acordos a dez anos, pretendem assegurar a assistência militar à Ucrânia até uma possível adesão da NATO. Portanto, quer a França, quer o Reino Unido estão a pressupor que a Ucrânia não vai aderir à NATO no médio prazo e, portanto, até que a Ucrânia adira à NATO, estes dois países - e possivelmente a Alemanha, também - estão a querer cobrir esse período de transição até uma possível adesão da Ucrânia à NATO, com ajuda militar. A ajuda militar que tem sido prometida pelos países bálticos, que têm sido os grandes apoios de Volodymyr Zelensky.

Falta armamento, falta financiamento à Ucrânia. Nos Estados Unidos, os parlamentares não conseguem acordo para prestar apoio à Ucrânia. Falava há pouco das declarações de Donald Trump, que ameaçou os aliados da NATO a não os defender, se for o caso disso, se forem atacados por Vladimir Putin. Existe uma conivência entre a Rússia e Donald Trump. Esta é, a seu ver, uma ameaça que se pode levar a sério ou são afirmações de campanha?

Eu penso que é uma ameaça que se tem que levar muito a sério. Aliás, já no primeiro mandato, Donald Trump, o então presidente norte-americano, agitou a bandeira das responsabilidades financeiras dos membros da Aliança Europeus em relação à NATO. Estas acusações são fortemente políticas. Nunca o empenho militar dos membros da NATO, dos membros europeus da NATO foi tão elevado e, portanto, estas afirmações só podem ser interpretadas como a necessidade que Donald Trump sinta de prestar apoio e solidariedade a Vladimir Putin, que é um aliado ideológico de Donald Trump. Isto é preocupante porque está aqui claramente a definir uma aliança de autocracias contra uma aliança das democracias.

É por isso que o Reino Unido, neste contexto tem que ser menos atlântico, caso Donald Trump venha a vencer, como se espera, as eleições de Novembro dos 24, e mais europeu do que Donald Trump vai alinhar a política norte americana com as autocracias, com a autocracia russa, nomeadamente. Vai distanciar-se da aliança europeia, vai possivelmente colocar em causa a própria viabilidade da NATO. E isto deve fazer os parceiros europeus acordarem para a necessidade de, autonomamente, repensarem a segurança e a defesa europeias.

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