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Revolução dos Cravos

Joaquim Alberto: O diácono que apontou armas da LUAR à ditadura

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Joaquim Alberto Simões diz que “os ditadores riem-se dos papéis”, por isso, resistiu ao regime ditatorial português sob a bandeira da LUAR, a Liga de União e Acção Revolucionária. Antigo diácono e seminarista, Joaquim Alberto não aceitava que um regime político submetesse o povo à repressão, à miséria, ao analfabetismo e ao castigo permanente. Aos 85 anos, contou à RFI algumas das acções em que participou para fazer tremer o Estado Novo.

Joaquim Alberto Simões, Antigo membro da LUAR. Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024
Joaquim Alberto Simões, Antigo membro da LUAR. Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024 © Carina Branco/RFI
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Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. Neste programa, ouvimos Joaquim Alberto Simões, antigo membro da LUAR.

A conversa acontece na casa de um amigo de Joaquim Alberto. Luís Vaz escreveu vários livros sobre a LUAR e acolhe-nos em Lisboa com a generosidade de quem cuida há muitos anos de uma causa: a da memória. Uma causa comum às diferentes personalidades da LUAR com quem falámos, unidas por elos de amizade que persistem mais de 50 anos depois e determinadas em lembrar aqueles que, entretanto, morreram.

Joaquim Alberto Simões resistiu ao regime ditatorial português sob a bandeira da LUAR, a Liga de União e Acção Revolucionária. Antigo diácono e seminarista, Joaquim Alberto não aceitava que um regime político submetesse o povo à repressão, à miséria, ao analfabetismo e ao castigo permanente. Como sabia que “os ditadores riem-se dos papéis, decidiu agir. Entrou na LUAR, que foi uma das organizações de luta armada contra a ditadura, fundada em Paris. O objectivo era fazer acções armadas contra o regime e sabotar os meios usados na guerra colonial, mas sem visar pessoas.

Algumas das acções da LUAR fizeram tremer o fascismo a partir de 1967. Foi o caso do assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz e o assalto e roubo de armas no quartel de Évora, nesse mesmo ano. Houve, também, a tentativa de tomada da cidade da Covilhã, em 1968 e, em 1969, a sabotagem de corvetas em Hamburgo para impedir que elas fossem colocadas ao serviço da guerra colonial. Destaque, ainda, para os assaltos a consulados de Portugal em Roterdão e no Luxemburgo, em 1971, para obter, à força, documentos de identificação para circular e combater na clandestinidade. Joaquim Alberto Simões recorda-nos essas acções.

O Consulado de Roterdão estava fechado no dia em que foi [era feriado] e Joaquim Alberto e o seu grupo tiveram de “arrombar a porta”. De lá tiraram “selos brancos, passaportes por preencher" e outros documentos para facilitar a circulação dos que lutavam na clandestinidade. Depois, repetiram a acção no Consulado do Luxemburgo e, fruto de várias circunstâncias curiosas e da ajuda de outro camarada, Rafael Galego, na véspera do assalto, Joaquim Alberto dormiu na casa do primeiro-ministro luxemburguês.

Ainda mais curiosa foi a forma como tomaram o consulado, escassos minutos antes de fechar. Espalharam “plasticina e fios eléctricos pelo chão” e “as pistolas não estavam carregadas” porque “ninguém ia com a intenção de matar”. “São armas que metem medo àquele que as tem porque sabe que não funcionam e metem medo ao outro que pensa que são verdadeiras”, conta Joaquim Alberto. Certo é que conseguiram sair de lá com o que necessitavam em termos de documentos e ninguém ficou ferido.

Joaquim Alberto Simões conheceu de perto o homem que a escritora Natália Correia descreveu como “o último grande herói romântico”. Trata-se de Hermínio da Palma Inácio que esteve no acto fundador da LUAR, o assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz, em 1967. Vinte anos antes, já tinha sabotado avionetas numa tentativa de derrube do regime e, em 1961, desviou um avião da TAP para lançar sobre Lisboa e outras cidades panfletos contra a ditadura. A bordo do aparelho estava também Camilo Mortágua que participara no desvio do paquete Santa Maria [“Santa Liberdade”, como ficou conhecido], também em 1961, e que esteve, também, no assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz.

Joaquim Alberto Simões entrou mais tarde para a LUAR e esteve em operações com Hermínio da Palma Inácio, nomeadamente em assaltos a veículos que transportavam fundos. O dinheiro servia para financiar a organização que se queria manter independente e continuar as suas acções de luta contra o regime ditatorial. “A LUAR nunca teve apoios de ninguém. Foi a gente sempre que arranjou tudo. Nunca houve nenhum rico a dizer: Olhe, tome lá para a vossa luta”, sublinha Joaquim Alberto. Alguns dos “confiscos” não correram como o previsto e houve situações “frustrantes” [Oiça o podcast porque a simples transcrição do nosso convidado ficaria muito aquém das memórias que recorda.]

Joaquim Alberto Simões foi fundador do jornal Fronteira, outra forma de luta destinada a informar os emigrantes portugueses. A informação é uma arma em tempos de fascismo e a música também pode despertar consciências. Joaquim Alberto foi também um músico entusiasta, participou em concertos junto da emigração em França e, a partir de uma célebre canção do francês Jean Ferrat, escreveu uma letra a falar sobre a fuga em massa de portugueses para França durante a ditadura.  Terminava assim: “Dizem que esta canção são frases sem valor, que não interessa cantar senão canções de amor. Que depressa se esquece os males do passado. Que não serve para nada fugir do nosso fado. Ninguém é capaz de parar a canção que eu estou a cantar e que não canto em vão. Cantarei as palavras que é preciso cantar para que um dia as crianças saibam que que hão-de lutar.

Não é de espantar que, entre os seus amigos, estivessem José Afonso, José Mário Branco e Francisco Fanhais. Joaquim Alberto acompanhou, de perto, no Château d'Hérouville, as gravações do disco "Cantigas do Maio" e, claro, da emblemática "Grândola Vila Morena".

Em Agosto de 1973, Joaquim Alberto foi preso em Espanha e apenas foi libertado depois do 25 de Abril de 1974. Meio século depois da Revolução que acabou com 48 anos de ditadura, Joaquim Alberto Simões não perde o brilhozinho nos olhos quando diz que o 25 de Abril cumpriu o seu trabalho e que cabe a cada um continuar o calendário das lutas por um mundo melhor.

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