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PR Timorense promove o seu país e dá a sua visão dos debates internacionais em Davos

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Decorre desde o começo da semana e até sexta-feira em Davos, na Suíça, o 53° Fórum Económico Mundial, um espaço de encontro e debate entre os decisores políticos e económicos mundiais. Entre os assuntos em cima da mesa este ano estão o conflito na Ucrânia, a urgência climática e o crescente isolacionismo que segundo os organizadores do fórum foi favorecido pela multiplicação dos litígios comerciais, a pandemia e nestes últimos meses também pela guerra.

José Ramos-Horta, Presidente de Timor-Leste.
José Ramos-Horta, Presidente de Timor-Leste. © REUTERS/Pedro Nunes
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Entre os 116 magnatas, líderes políticos e ONGs presentes neste evento anual, encontra-se desde esta terça-feira o Presidente timorense José Ramos-Horta. O chefe de Estado que foi convidado pelo fundador do fórum, o economista suíço Klaus Schwab, pretende evocar durante os próximos dias as problemáticas actualmente enfrentadas pelo mundo e em particular os desafios que encontram os países do hemisfério sul, tais como o clima, a dívida e a pobreza.

Em entrevista à RFI, José Ramos-Horta refere igualmente que tenciona dar visibilidade ao seu país como actor económico e como "exemplo de democracia".

RFI: Entre os pontos em agenda neste fórum, pretende sobretudo promover o seu país. De que forma?

José Ramos-Horta: O foco é a promoção marketing de Timor-Leste como um exemplo de democracia, de como resolver diferendos entre países, nomeadamente Timor com a Indonésia -hoje, temos excelentes relações de amizade e cooperação- e como também conseguimos resolver diferendos fronteiriços, nomeadamente Timor e a Austrália relativamente à sua fronteira marítima. Timor é um exemplo positivo que faz falta para muitos aqui em Davos. Gostam, querem ouvir alguns exemplos positivos neste mundo tão conturbado e a nossa adesão à ASEAN é um chamariz para investimentos em Timor-Leste. Esse interesse em investir em Timor-Leste deriva de dois factores: finalmente, todos vêm que Timor-Leste é um país seguro, estável e que vai aderir brevemente à Organização Mundial do Comércio e à ASEAN. Não é o nosso país de 1,3 milhões de pessoas, com um mercado muito pequeno, mas é que vamos fazer parte de um mercado muito maior de 700 biliões de pessoas com elevado poder de compra.

RFI: Uma das maiores fontes de rendimento de Timor-Leste são os hidrocarbonetos. Ora, actualmente esta fonte de energia é bastante criticada nomeadamente por militantes ecologistas que têm feito apelos para que se aposte cada vez mais nas energias renováveis. A questão do clima é uma das preocupações também em debate  neste fórum.

José Ramos-Horta: Sem dúvida. Mas surpreendeu-me que a menina Greta (Thunberg) e os seus amigos e as suas amigas apoiantes tenham optado por este apelo, este lobby, junto às empresas petrolíferas para não explorarem novos campos de petróleo e de gás. Significa então que estão a privilegiar os países que há décadas, há cem anos praticamente, têm vindo a explorar petróleo, gás, carvão e outros minérios não renováveis, causadores reais desta tragédia climatérica, os Estados Unidos, a Arábia Saudita e tantos outros países petrolíferos, a Inglaterra, enfim... e dizem 'não explorar, produzir novos campos de petróleo'. Significa que os novos países, pequenos como Timor-Leste, é que têm de parar. Por amor de Deus! Nós vamos continuar a explorar a nossa riqueza petrolífera e o gás, na medida do possível, de forma responsável, precisamente para possibilitar a nossa diversificação económica daqui a 10/20 anos. Nós queremos caminhar para uma economia totalmente verde, uma economia totalmente dependente sobretudo de recursos renováveis, nomeadamente energias renováveis, energia solar, eólica e qualquer outra. Mas se isso for assegurado pelos países doadores, pelos países mais ricos, responsáveis pelas alterações climáticas, muito bem, podemos considerar nem sequer explorar esse grande campo de gás que temos que é chamado de "Greater Sunrise". Estima-se o seu valor em 100 mil milhões de Dólares de benefícios directos e indirectos. Ora, para serem coerentes, honestos e justos, façam um cheque e entreguem a Timor 100 mil milhões de Dólares para não explorarmos o "Greater Sunrise".

RFI: Em debate neste Fórum Económico de Davos, estão também as consequências das sucessivas crises que o mundo tem atravessado, nomeadamente a crise provocada pela pandemia e agora, também, a crise provocada pelo conflito na Ucrânia. Qual é a sua visão destas sucessivas situações?

José Ramos-Horta: As crises não surgem de um dia para o outro. A situação da extrema pobreza no mundo, do grande endividamento de muitos países que leva à instabilidade social e política, que leva à fome, à subnutrição, a um maior empobrecimento de países que já são pobres, tem muito a ver com políticas seguidas há 50 anos pelos países mais desenvolvidos em relação à ajuda que dão aos países mais pobres. As ajudas contribuíram obviamente, não direi que não. Houve países e instituições que foram generosos, que tentaram acudir, mas se formos fazer um balanço da ajuda externa dos últimos 50 anos, o grosso do dinheiro que se prometia aos países pobres, em vez de ser investido e transferido directamente para os países beneficiários, não... Uma parte muito grande dessas ajudas é gasta em estudos intermináveis, em ditos 'especialistas' dos países doadores que embarcam para os nossos países para estudos e mais estudos. Não há investimento directo para apoiar o governo, apoiar as comunidades locais na produção alimentar, na melhoria das escolas, água potável, etc... Isto é que tem de ser alterado radicalmente. Não sou eu que estou a dizer isto agora. Tantos países têm-se queixado em diversas reuniões entre países do terceiro mundo e países doadores que já se arrastam há muitos anos. Vemos também a diferença de tratamento por exemplo, já não digo Timor-Leste porque não quero ser paroquiano, mas veja o conflito na Síria: os apelos feitos pelo Secretário-Geral da ONU e outras agências das Nações Unidas para a ajuda aos refugiados. Quando muito, conseguem obter 30% ou 50% no máximo dos apelos feitos, enquanto que para a guerra na Ucrânia, com toda a rapidez, celeridade, a União Europeia, os Estados Unidos, descobrem centenas de biliões de Dólares para fornecer à Ucrânia. Obviamente que é necessário acudir à Ucrânia, sobretudo aos civis, às vítimas da Ucrânia e àqueles que se refugiam noutros países. Mas não deixa de escapar à atenção e ao ressentimento no hemisfério sul estes tratamentos diferentes. Por exemplo, com a pandemia que levou de volta para a pobreza centenas de milhões de pessoas. Com a distribuição das vacinas que beneficiou muito mais os países ricos e que mal chegou aos países pobres, sobretudo a países africanos, obviamente tudo isto levanta questões. Como é que não houve, por exemplo, uma decisão dos países ricos em perdoar a dívida dos países frágeis, dos países menos desenvolvidos? Por que não houve um perdão da dívida puro e simples? No meu próprio país, os quatro bancos que lá estão, nenhum reduziu um cêntimo sobre os empréstimos. Portanto, tudo isso leva ao agravamento da situação social e humanitária no mundo. Destas questões, eu tentarei falar nos próximos dias.

RFI: Este Fórum de Davos coincidiu com a publicação de um relatório da Oxfam -também presente nesta reunião- que diz basicamente que nestes últimos anos aumentou substancialmente o número de grandes fortunas a nível mundial, que também aumentou e que este 1% da população mundial que concentra boa parte das riquezas deveria ser objecto de várias taxas que -a seu ver- poderiam resolver alguns problemas nomeadamente a luta contra a fome e também financiar uma série de planos para reduzir a pobreza. Quais são os seus comentários relativamente a isto?

José Ramos-Horta: Estou a par deste estudo e de outros da Oxfam sobre as fortunas colossais açambarcadas por 1% de personalidades do mundo e o maior empobrecimento também em muitos países industrializados e sobretudo nos países da periferia. Algo está mal neste mundo. Então eu concordo. Acho que se deveria taxar em 5% as grandes fortunas do mundo e este dinheiro ser aplicado num fundo internacional para acudir aos países mais pobres. Eu já avancei com algumas ideias ao longo dos últimos dois anos, seja na ONU seja no Banco Mundial, com algumas personalidades do mundo, a lançar uma espécie de "Plano Marshall" mas em que não participam apenas os governos. Hoje no mundo, há mais liquidez, há mais dinheiro nas mãos do sector privado, dos grandes magnatas do mundo, das grandes famílias, dos bancos, de grandes fundações, do que nas mãos de governantes. E não pode ser só dos países ocidentais. Há muita fortuna privada na Ásia e já começa a haver muita fortuna privada em África e na América Latina. Muitas fortunas adquiridas ilicitamente. É possível hoje mobilizar triliões de Dólares para acudirmos aos mais pobres, mas não só. Não é só acudir aos mais pobres. Com eles, vamos criar novas riquezas, com eles vamos tirar os pobres da pobreza e assim, criar mais riqueza. Isso exige liderança, visão e coragem da parte de quem de direito.

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