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Emmanuel Macron inaugurou centro dedicado à língua francesa

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Esta segunda-feira, em Villers-Cotterêts, no nordeste de França, o presidente francês Emmanuel Macron inaugurou a Cité Internationale de la Langue Française, o “primeiro projecto dedicado à língua francesa no mundo”, de acordo com a ministra da Cultura, Rima Abdul-Malak. O centro de promoção da língua francesa surge numa altura em que esta língua perde peso no mundo, lembra o historiador de arte Pierre Léglise Costa.

Emmanuel Macron, Presidente francês. Cité Internationale de la Langue Francaise,Villers-Cotterets. 30 de Outubro de 2023.
Emmanuel Macron, Presidente francês. Cité Internationale de la Langue Francaise,Villers-Cotterets. 30 de Outubro de 2023. AFP - CHRISTIAN HARTMANN
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A Cité Internationale de la Langue Française abriu portas no palácio onde o rei Francisco I assinou, em 1539, o decreto que impôs a língua francesa para a redacção de textos jurídicos. Vai ser aqui que, em 2024, se vai realizar a cimeira da francofonia porque, de acordo com a ministra da Cultura, o centro pretende ser “o coração palpitante da francofonia”. O palácio fica em Villers-Cotterêts, uma cidade marcada pelo desemprego e pela desindustrialização, dirigida, desde 2014, pelo autarca da União Nacional (extrema-direita) Franck Briffaut e que, em 2022, viu a então candidata Marine Le Pen a liderar a primeira e segunda das eleições presidenciais. Este é o segundo projecto cultural mais caro do Estado francês, depois do restauro da catedral de Notre Dame de Paris. O restauro do palácio de Villers-Cotterêts custou mais de 200 milhões de euros e mobilizou 600 trabalhadores e artesãos.

Neste programa, falámos com o historiador de arte Pierre Léglise Costa sobre as ambições culturais e políticas da Cité Internationale de la Langue Française.

RFI: O que é a Cité Internationale de la Langue Française e para que serve?

Pierre Léglise Costa, Historiador de Arte: Serve para afirmar a língua francesa como uma das línguas mundiais pois é falada em vários continentes. É uma das línguas europeias que, por causa ou graças - segundo o ponto de vista da colonização - existe tanto na América, principalmente no Canadá, como na África francófona, como em certas regiões do Oceano Pacífico, como na Europa - em França, numa parte da Bélgica e numa parte da Suíça. A ideia também nasceu no século XVIII em que o francês era a língua diplomática internacional. Toda a gente falava francês. Na Rússia falava-se francês diplomaticamente. Por exemplo, a imperatriz Catarina da Rússia tinha como convidados escritores franceses importantes. Mesmo um bocadinho antes, no século XVII, filósofos franceses viajavam pela Europa e falavam em francês, claro.

Este é “o primeiro projecto dedicado à língua francesa no mundo”, de acordo com a ministra da Cultura. Numa altura em que a França perde politicamente algum peso, nomeadamente, em África, outra ambição simbólica deste projecto cultural é usar a língua como ferramenta de "soft power"?

Sim. A França é representada no Conselho da ONU e a língua francesa é uma das três línguas oficiais desde o começo da fundação da União Europeia e depois juntaram-se outras línguas, claro, mas o francês mantém-se uma das três línguas de comunicação. A meu ver, e só a meu ver, era mais interessante falar em francês, em alemão, em português ou noutra língua do que em inglês porque agora, além da Irlanda, já não se justifica que o inglês seja a única língua de comunicação da União Europeia porque o Reino Unido já não pertence à União Europeia.

Então, se esse peso da língua francesa já existe, porquê criar um espaço específico para o exibir?

A meu ver -mas eu penso que não sou o único - precisamente porque a força da língua francesa está a perder peso no mundo consideravelmente. Quando eu vejo os próprios franceses comunicarem em inglês internacionalmente. Por exemplo, Ursula von der Leyen [presidente da Comissão Europeia] fala perfeitamente francês, mas a maior parte do tempo exprime-se em inglês, nem sequer na sua própria língua, o alemão. Daí, uma posição de reivindicação da importância da língua francesa que literariamente, culturalmente, principalmente no mundo ocidental, é uma língua primordial.

A língua francesa é também, digamos, um elemento identitário. Este palácio que estava abandonado e que foi restaurado situa-se em Villers-Cotterêts numa localidade marcada pelo desemprego e pela desindustrialização e que há vários anos se virou para a extrema-direita. O que representa a implantação deste espaço da língua francesa em terras da União Nacional de Marine Le Pen?

A cidade de Villers-Cotterêts, de facto, tem como presidente de câmara um homem de extrema-direita, mas isso pode mudar. A eleição de um presidente de câmara ou a eleição de um deputado varia, não é uma coisa definitiva e espero que não seja uma coisa definitiva.

Foi também uma cidade onde Marine Le Pen, em 2022, venceu as duas voltas das eleições presidenciais…

Tem toda a razão, mas é uma zona que está em grandes dificuldades económicas e outras. O grande palácio de Villers-Cotterêt é nacional, não pertence à câmara. É um monumento nacional francês. É, de certo modo, independente da vontade ou das atitudes ou da política do presidente da câmara local e da região porque é um monumento nacional.

Até porque o restauro deste palácio custou mais de 200 milhões de euros e foi financiado pelo Estado...

Pois, é o Estado porque é um momento nacional e é um monumento que foi classificado nos monumentos nacionais importantes. É um palácio bastante antigo. No começo, havia já um castelo, palácio, no século XIII. Depois, no século XVI tornou-se um palácio importante. O rei Francisco I transformou o palácio. Depois, Luís XIV ofereceu o palácio ao irmão, ao Duque d’Orléans, que o transformou e que fez do palácio um centro de cultura e de diversas actividades culturais e musicais. Caiu um bocadinho no século XVIII e, depois, sobretudo no século XIX foi uma escola, foi um hospital, foi várias coisas e depois ficou meio abandonado. Recentemente, foi recuperado.

Justificam-se estes 200 milhões de euros de restauro?

É melhor utilizar 200 milhões de euros no restauro de um monumento nacional, de uma língua francesa, num museu para a educação e a cultura, do que na guerra. A França é um país rico. A gente esquece que a França é um país rico e que existem grandes fortunas. Porque não utilizar esse dinheiro para um restauro, não somente arquitectónico, mas sobretudo para uma finalidade positiva? Do ponto de vista francófono - não só francês, mas francófono porque o museu é um museu sobre a francofonia - a ideia é manter uma língua, mas também através da língua. A língua não vale só por ela própria, vale por tudo o que ela transmite: a cultura, as artes, as ciências, tudo isso se passa através também da língua e da história da língua. Portanto, a história de uma francofonia e da língua escrita.

Há uma tradição em França, uma ambição também, de os Presidentes deixarem um museu como "legado". Foi o caso do Centro Pompidou, foi o caso do Quai Branly. Agora, Emmanuel Macron aposta nesta Cité Internationale de la Langue Française numa cidade dominada pela extrema-direita. Há aqui mais um peso simbólico de um legado de Emmanuel Macron?

Sim, muito provavelmente, eu não estou na cabeça, nem no escritório do Presidente, mas muito provavelmente foi para fazer como todos os Presidentes, excepto um ou dois. Marcar fisicamente, materialmente a importância da cultura em França. O Centro Pompidou assinalou uma revolução, tanto arquitectónica e sobretudo por tudo o que contém. Quer dizer, é um centro cultural geral, é uma biblioteca muito importante, é um museu de arte moderna e contemporânea de grande importância até mesmo internacional.

O Museu do Quai Branly é um museu em que a cultura francesa se expande para outras civilizações. Agora, porque não a língua francesa num momento em que precisamente a influência da língua francesa em África, por exemplo, está a perder-se por razões políticas, militares e outras? Curiosamente, no outro dia estava a ver na televisão os novos dirigentes do Mali e de outros países da África Ocidental, que expulsam os militares franceses, a falarem em francês. Finalmente, a língua mantém-se como meio de comunicação internacional. Porque não uma história geral desta língua francesa? Porque o museu vai ser um museu muito interactivo, tanto tecnologicamente, como em diversos espaços da francofonia. Aliás, aproveito para dizer: porque não a mesma coisa com o português em Portugal. Afinal, o português é também a terceira língua europeia falada no mundo.

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