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Haiti mergulhado no caos perde o seu primeiro-ministro

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O Haiti está mergulhado no caos. A Comunidade Regional das Caraíbas aposta numa transição após a confirmação de demissão do primeiro ministro Ariel Henry. Numa altura em que bandos armados semeiam o terror em largos sectores da capital para o romance, Rafael Lucas, professor catedrático haitiano radicado em França, começa por afirmar que este virar de página permite abrir novas perspectivas para esta antiga colónia francesa.

Membro de um bando armado atrás de uma barricada em Port-au-Prince, no Haiti, a 11 de Março de 2024.
Membro de um bando armado atrás de uma barricada em Port-au-Prince, no Haiti, a 11 de Março de 2024. © Ralph Tedy Erol / Reuters
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Rafael Lucas: Vai abrir novas perspectivas. Porque até ao dia da sua demissão a situação estava bloqueada e piorando.

RFI: Por ora, pensa-se que seja previsível que Ariel Henry se mantenha nos Estados Unidos [Porto Rico]. Portanto, este neurocirurgião muito provavelmente vai deixar a política activa haitiana.

Acho que ele não terá hipótese de voltar para o Haiti porque é um dos presidentes mais impopulares que houve na história do Haiti. É até meio estranho que não tenha sido assassinado, como aconteceu com o presidente Jovenel [Moïse] em 2021.

Jovenel Moïse tinha sido assassinado. Desde então, não foi possível haver eleições. E de repente, agora a comunidade das Caraíbas quer começar a preparar eleições. E fala nomeadamente num Conselho de transição. Que garantias há que este Conselho de Transição pode dar e como é que é possível, de facto, equacionar eleições num país que está a mando dos bandos armados?

É isso porque para mim é impossível ! Porque organizar eleições num país em que os bandidos já ocuparam o Palácio de Justiça durante três meses e em que também eles estão a ocupar quase 50% da capital. E eles são muito bem armados, têm até carros blindados. Vai ser difícil. É uma nova Somália. Vai ser difícil restabelecer uma ordem institucional num caso desses !

Porque até o aeroporto da capital é um alvo destes bandos armados e muitas empresas e companhias aéreas já não se atrevem a voar para Port au Prince, para o Aeroporto Toussaint Louverture...

É isso e digamos que a solução, a resposta que as empresas encontraram e os turistas também é desembarcar em cidades provincianas. Além disso, os bandidos tentavam impedir que as mercadorias com destino à província impediram que chegassem. E isso sufocava aos poucos os empresários provincianos. Quer dizer, era uma espécie de cancro, esses bandidos.

E um deles é o chamado "Barbecue", um antigo polícia que se poderia traduzir por "Churrasco". Como é que este antigo polícia aterroriza o país? Impõe a demissão do primeiro ministro ! E falava mesmo num risco de genocídio !

Ele é um antigo polícia de família paupérrima. Ele diz que a sua mãe morreu na miséria e que é por isso, para vingar a mãe, que ele tornou-se um terrorista para castigar os burgueses. Mas na realidade, muitas pessoas que ele queimou, infelizmente, é o termo eram pessoas ou da pequena burguesia, ou até mesmo do povo. Era uma espécie de inquisidor, mas sem a dimensão religiosa da Inquisição. E depois ele organizou os bandos numa confederação que se chama G9, imitando as instituições internacionais. Como a oposição quase não existe, ou está no exterior do país...quer dizer, há poucas pessoas da oposição que tenham direito à palavra, ou que têm também certa presença na capital. Então ele, perante esse vazio, ele acaba por emergir.

Este Conselho presidencial que a Comunidade das Caraíbas quer implementar, impõem condições às pessoas que vão integrar este Conselho Presidencial. Depois não se podem apresentar às eleições. Eleições... ninguém sabe, nesta fase, como é que seriam exequíveis. A comunidade caribenha tem aqui um plano sólido ? Ela também vai jogar, em grande medida, a sua credibilidade em relação ao acompanhamento que der a Haiti, não é?

Vai ser difícil porque com uma capital ocupada, quer dizer 50% da capital sob o domínio dos bandidos. E dos bandidos, que não são simples bandidos. São sequestradores, torturadores, torcionários e têm uma crueldade horripilante. Não vai ser fácil. Além disso, eles acostumaram-se à impunidade. Os poucos que tinham sido presos quando, nos últimos momentos de desordem, os bandidos assaltaram as prisões e libertaram os bandidos presos. Então, é o que vai multiplicar os factores de desordem ! Vai ser difícil, neste contexto, organizar eleições, encontrar pessoas que quiserem apresentar-se sabendo que vão trabalhar para os futuros responsáveis do país.

Enquanto isso, vemos que há de novo diplomatas internacionais a deixar Port au Prince por questões de segurança e que ainda não há uma força multinacional. Embora os Estados Unidos tenham anunciado uma ajuda para que ela possa vir a ser mobilizada. Todos nós sabemos que a força policial queniana ainda não chegou. Portanto, por enquanto, o Haiti está sozinho ?!

Eu acho que a ideia da força multinacional é uma boa ideia neste contexto, é a ideia mais pertinente.

Falou da Somália e dos receios de que o Haiti venha a ser uma nova Somália. Ora, a Somália foi um pesadelo para muitos actores internacionais de relevo, caso dos Estados Unidos. O problema vai ser quem mobilizar, imagino ? Para conseguir dar homens, dar contingentes, dar efectivos para uma força multinacional deste género !

O importante seria o número de actores de soldados que poderão pôr em acção. Porque se for uma força reduzida não vai ser possível. Tem que ser uma força que seja em termos de números, bastante impressionante, bastante numerosa, para que possa, digamos, sufocar os bandidos pelo número.

Ou seja, são praticamente 40 anos de instabilidade política crónica no Haiti, não é? Desde a queda de Jean-Claude Duvalier, em 1986 !

Exacto. É que depois da queda do Jean-Claude Duvalier. O presidente seguinte foi o Jean-Bertrand Aristide, um padre. Ele teve a desastrosa ideia de suprimir o exército. O resultado é que multiplica de maneira exponencial a delinquência ! E ele tinha substituído o Exército por uma polícia de 5 000 homens para uma população de 10 milhões de habitantes e uma população miserável, com imensas desigualdades sociais !  Aquele desequilíbrio numérico entre uma delinquência muito difundida e uma polícia muito reduzida continuou naturalmente. E já no tempo de Duvalier havia uma milícia civil de 300.000 homens contra um exército de 20 000 homens, então 300 000 bandidos e 20 000 soldados ! É esse desequilíbrio, o factor de aumento da delinquência, continuou até hoje.

E neste momento, o país está à procura de uma mulher ou de um homem providencial !

Há um exemplo não muito longe do Haiti, o presidente do Salvador [Nayib] Bukele.

Ele está disposto em tentar ajudar o Haiti, não é? Foi isso que ele disse !

Que tem uns métodos dissuasivos !

Eficazes.

Eficazes !

Em relação aos traficantes de droga no seu país natal.

Sim, sim.

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