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Aquecimento global: são necessários "fortíssimos investimentos na eficiência energética"

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A Organização Mundial da Meteorologia publicou ontem um novo relatório sobre a evolução do clima estimando que existe uma probabilidade elevada para que este ano seja marcado por temperaturas inéditas, depois de 2023 já ter sido o culminar de dez anos consecutivos de records de calor.

Planeta Terra continua a bater recordes em termos de aquecimento global.
Planeta Terra continua a bater recordes em termos de aquecimento global. CC 0 Pixabay/qimono
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Com efeito, de acordo com este documento, 2023 foi o ano mais quente jamais registado, com uma temperatura média na superfície do globo de 1,45°C acima do nível de referência da era pré-industrial.

As consequências do aquecimento global, as ondas de calor, as inundações, as secas, os incêndios descontrolados e a intensificação dos ciclones tropicais provocam a "miséria e o caos", abalando o quotidiano de milhões de pessoas e provocando perdas económicas de vários bilhões de dólares, alerta a ONU, cujo secretário-geral, António Guterres, considera que o planeta está "à beira do abismo".

Para abordar esta situação, a RFI falou com José Silva, líder da 'Juventude Ecológica Angolana' e com Francisco Ferreira, dirigente da ONG ambientalista portuguesa 'Zero'. Ao constatar o pessimismo das previsões das Nações Unidas, este último refere que este relatório constitui "mais um alerta" e que qualquer acção que possa ser conduzida a partir de agora só a longo prazo poderá surtir efeito.

"Não nos esqueçamos que o que possa ser feito vai demorar em termos de resposta do próprio clima. Portanto, estamos numa situação, eu diria, muito complicada. É mais um alerta muito substancial do ponto de vista da informação científica que foi trabalhada pela organização meteorológica Mundial. E espera-se, obviamente, que quem decida, o poder político, tenha a capacidade de olhar para estes dados e perceber da urgência e da necessidade de cumprir aquilo que tem vindo a ser decidido ou apontado nas várias conferências, nomeadamente na última que teve lugar no Dubai e que defende o fim da era dos combustíveis fósseis e fortíssimos investimentos nas renováveis e na eficiência energética", sublinha Francisco Ferreira.

Questionado sobre o facto de os países ocidentais, nomeadamente europeus, terem optado por fazer uma pausa no cumprimento das suas metas ambientais, designadamente devido ao conflito na Ucrânia, o ambientalista português constata que esta situação "tem obrigado vários países a maiores investimentos no futuro de fontes que tenham menor impacto no ambiente, em particular a eólica, o solar, entre outras. Agora, para os outros países seguirem este caminho, é necessário um apoio fortíssimo em termos financeiros, para os países em desenvolvimento poderem seguir esse caminho e não continuarem a apostar na queima de carvão, de petróleo ou de gás natural".

São efectivamente necessários investimentos importantes em acções de combate ao aquecimento global, constata igualmente José Silva, Presidente da ONG ambientalista 'Juventude Ecológica Angolana' que ao dar conta das medidas implementadas pelo governo angolano, reconhece que existem imensos desafios.

"É fundamental que se olhe para todo o país, que se olhe para os vários sectores que têm causado alguma emissão de gases com efeito de estufa. Acho que já há necessidade do país avançar para uma terceira comunicação relativamente aos gases que causam efeito de estufa. Já no passado, houve uma primeira e uma segunda comunicação sobre essa necessidade. Eu penso que a estratégia também prevê esta terceira comunicação. Há aqui também alguns aspectos que, por exemplo, a nível dos principais centros urbanos, podem ser melhorados, pelo menos para reduzir essa sensação térmica que vamos sentindo nos últimos tempos. Nós temos, por exemplo, uma cidade como Luanda onde o número de árvores ainda é muito reduzido. Acho que Luanda precisa de mais arborização. Está agora a ser implementado pelo Governo da Província um programa de arborização de Luanda que pretende chegar a 10 milhões de árvores até 2027, mas na verdade, ainda se vão sentindo poucos estes resultados. Foi um programa lançado em final de 2023. Em Dezembro houve algumas acções de plantações, mas ainda é muito cedo para que se sintam esses resultados", refere o activista angolano.

"Há que investir na conservação de áreas florestais, também alguma fiscalização no derrube de árvores das zonas de florestas. Isto é um desafio também que o país tem que ultrapassar, para além, naturalmente, da questão do combate à seca que se faz no país com a construção do canal do Cafu, com a construção de barragens que estão a ser erguidas na província do Cunene. Mas há também toda a necessidade de se fazerem investimentos no Cuando Cubango, na Huíla, no Namibe, para que realmente possa se mitigar e depois evitar a destruição de florestas" constata igualmente José Silva para quem "há a necessidade da estratégia nacional de luta contra alterações climáticas estar articulada com outras políticas públicas a nível da agricultura, a nível do sector de recursos minerais, para que não haja realmente choque".

Questionado sobre o paradoxo de Angola ser simultaneamente um país produtor de petróleo e um país que também padece dos efeitos do aquecimento global, o militante ambientalista reconhece que Angola continua muito dependente dos rendimentos gerados pelo sector dos hidrocarbonetos, mas não deixa igualmente de constatar que noutras partes do mundo, a economia sustentável está longe de ser uma realidade.

"Este é um grande desafio que o país tem pela frente. Notamos nos discursos políticos essa posição de Angola, este compromisso em relação ao clima, em relação à adaptação, em ligação às alterações climáticas. Vamos vendo que algumas dessas companhias petrolíferas têm feito do ponto de vista da responsabilidade social e de alguns projectos que vão reduzir a sua pegada ecológica, que vão reduzir a emissão de carbono. Há este processo de descarbonização a nível mundial e Angola também é parte disso" diz José Silva referindo que "ainda assim, o petróleo continua a ser a principal fonte de financiamento da economia angolana. Daí que, por exemplo, para além da exploração de petróleo em offshore, agora também estão a ser feitas concessões para a exploração de bacias terrestres (...) Por isso é que às vezes continuamos um bocadinho desapontados em relação, por exemplo, às COP, às conferências e aos compromissos políticos, porque os países assumem esses compromissos na COP, mas depois, internamente, há essa necessidade de se desenvolver a economia".

"Nós vimos membros na Europa, em países como a Alemanha, que tiveram que reactivar centrais de carvão para a produção de energia e muito mais. A própria China ainda faz o recurso de centrais de carvão. Estamos a falar de um elemento que é daqueles que causa a emissão também de gases de efeito de estufa, que provocam o aquecimento global e alterações climáticas. Mas é o que acontece. Daí que Angola também não foge a essa regra", conclui José Silva.

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