Ângelo Gonçalves, conhecido no mundo do teatro como Rank Gonçalves, participou na peça “Médico à Força” de Molière, encenada por João Branco, com o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, no ano 2000, em Cabo Verde. “Conseguimos crioulizar Molière”, recorda o actor, sublinhando que adaptaram o texto à “história mindelense” e que ecoou perfeitamente com a sociedade cabo-verdiana, “conservadora das tradições e das regras dos tempos antigos”.
“Crioulizar Molière” foi colocar Cabo Verde no mapa dos grandes dramaturgos universais com a adaptação à realidade local de histórias escritas há mais de 300 anos e com críticas ainda pertinentes. Foi no ano 2000 que Ângelo Gonçalves, conhecido no mundo do teatro como Rank Gonçalves, participou no “Médico à Força”, de Molière, uma peça encenada por João Branco, com o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, que também levaram a palco “Escola de Mulheres”.
Fomos à cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, conversar com o encenador, mas também com Janaína Alves, Fidélia Fonseca e Zenaida Alfama, alguns dos actores que interpretaram personagens tão “molierescas” quanto “mindelenses”.
Nesta entrevista, Rank Gonçalves falou connosco sobre o eco que o espectáculo teve junto do público e qual o sentido do texto do dramaturgo francês em Cabo Verde, uma sociedade que descreve como “conservadora das tradições e regras dos tempos antigos”.
“A peça teve muito sucesso, a nossa bilheteira esgotou sempre. Eu gostei muito de ter participado numa peça de Molière e eu acho que nós conseguimos dar aquilo que Molière escreveu há 300 e tal anos. Cabo Verde saiu a ganhar em homenagear Molière e também conseguimos crioulizar Molière, fazer com que o sentíssemos com a nossa realidade”, descreve.
Rank Gonçalves desempenhava o papel de Géronte, pai da jovem Lucinda que fica muda para não casar com o pretendente que o pai lhe arranjou. É aí que o “Médico à Força” – ou curandeiro, na versão crioulizada - desempenha - “à força”, claro está – o seu papel.
“Eu era pai de uma miúda e eu é que controlava, é que cuidava dela (...) O que me marcou mais na peça era o choque de gerações entre eu e a minha filha. Ela queria fazer algumas coisas e eu, claro, achava que não podia fazer e que ela devia respeitar algumas regras da sociedade. Ela estava sempre rebelde, não queria saber e eu sempre com aqueles cuidados do pai de antigamente”, recorda Rank Gonçalves.
Qual o sentido deste texto do dramaturgo francês em Cabo Verde? O actor explica que o texto “não fugiu muito do Molière de há 350 anos” e ecoou com a sociedade cabo-verdiana que “também é uma sociedade conservadora das tradições e regras dos tempos antigos”.
“A história enquadrava-se bem dentro da sociedade que nós temos (...) Enquadra, enquadra. Os costumes, os hábitos, aquelas regras e o bom disso também é que tentámos adaptar com a história mindelense, a história da vivência, das meninas, dos costumes, dos hábitos mindelenses”, continua.
“Recorremos ao curandeiro porque naquele tempo também, há 22 anos - mas ainda existem essas coisas - quando a coisa está complicada, as pessoas que crêem nessas coisas recorrem ao curandeiro para ajudar ou convencer a pessoa a não desviar do caminho.”
Crioulizar a peça passou não só pela adaptação aos costumes e à sociedade mindelense, mas também pela própria tradução para a língua cabo-verdiana. Rank Gonçalves diz que foi “muito ousado mas não foi difícil”: “Nós tentámos fazer o máximo possível na tradução, eu acho que a tradução foi muito boa, não fugindo muito do texto de Molière, mas sempre adaptado ao crioulo e à nossa realidade. (...) Dentro da nossa realidade, não fugir muito ao texto essencial e de forma a que as pessoas pudessem sentir que o que escritor escreveu era algo de elevado, de bom, e que estava também adaptado à nossa realidade.”
Quanto à reacção do público, foi êxito de bilheteira, conta o actor que é um histórico das peças do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo com o qual continua a subir ao palco regularmente.
“A peça foi muito bonita. As pessoas gostaram muito. Aqui em São Vicente, todas as vezes que nós fizemos a peça, a lotação estava sempre esgotada. Fomos à Praia, também, e houve muito, muito sucesso e as pessoas ficaram muito contentes porque não conheciam Molière”, recorda.
E, para terminar, Rank diz, orgulhosamente, que o seu grupo conseguiu “crioulizar Molière mas fazendo que a coisa saísse muito bem”.
Oiça aqui a entrevista, acompanhada por um excerto de "Ponta do Sol" do músico cabo-verdiano Bau.
Rank Gonçalves - "Nós crioulizámos Moliere"
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