Recordações de uma “crioulização cénica” de Molière
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Foi há 22 anos que Zenaida Alfama interpretou a esposa do “Médico à Força”, de Molière, uma personagem do século XVII transformada numa mulher cabo-verdiana do século XXI. A peça foi encenada por João Branco e levada a palco pelo Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, na ilha de São Vicente. “Médico à Força” foi a primeira “crioulização cénica” de Molière em Cabo Verde, a que se seguiria também “Escola de Mulheres”.
Foi no ano 2000 que Zenaida Alfama transformou Martine, uma personagem do século XVII, numa mulher cabo-verdiana do século XXI. “A forma de estar, a forma de vestir com o meu figurino quase tipicamente cabo-verdiano, a forma de ver as coisas e o relacionamento entre a mulher e o médico que era bem cabo-verdiano, digamos assim”, descreve a actriz do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo.
A peça é uma comédia mas começa com uma cena de violência doméstica, um tema intemporal. “Sim, começa com uma cena de violência doméstica, mas depois a mulher vai-se vingar do marido por causa da violência”, recorda.
A peça de Molière, que era pela primeira vez apresentada em Cabo Verde, foi bem acolhida pelo público e contou com uma nova geração de actores. “O feedback foi bom (...) Estávamos numa época em que o teatro estava a explodir porque estávamos com actores novos, que estavam a sair do curso de teatro do Centro Cultural Português e que estavam com uma grande entrega.”
O dramaturgo francês era assim alvo de uma “crioulização cénica”, uma metodologia teorizada pelo encenador João Branco e personificada pelo Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo. No fundo, tratava-se de apropriar-se do texto, traduzi-lo para crioulo e adaptá-lo aos costumes e à sociedade mindelense.
“O nosso encenador sempre foi um pouco atrevido nos textos que escolhe para fazer adaptação. São coisas que são apresentadas pela primeira vez em Cabo Verde e ele sempre teve a ousadia de ir mais além”, acrescenta Zenaida Alfama.
“No grupo há esse espírito de ver ou de pensar: ‘Se fosse aqui no Mindelo (que é no sítio onde nós vivemos) como é que seria, como é que as pessoas iriam agir?’ Para que o público ao ver o espectáculo de Molière se pudesse identificar como se fosse algo de cá do Mindelo.”
Por que é que Molière ainda faz rir e pensar nos dias de hoje? Para Zenaida Alfama é simplesmente porque se trata “de um clássico” e “é fácil colocá-lo num tempo presente”, assim como as críticas sociais que o texto comporta.
Oiça aqui a entrevista a Zenaida Alfama.
As memórias de Molière de Zenaida Alfama
Além de “Médico à Força” de Molière, no ano 2000, o Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo também “crioulizou”, mais tarde, a peça “Escola de Mulheres”. Na nossa página pode encontrar e ouvir as entrevistas que fizemos também ao encenador e aos actores Rank Gonçalves, Janaína Alves e Fidélia Fonseca.
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