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Revolução dos Cravos

“Em nome das Forças Armadas viemos dizer-lhe que está liberta!”

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Helena Neves estava presa em Caxias no dia 25 de Abril de 1974. Era a terceira vez que estava na prisão e foi das últimas pessoas detidas durante a ditadura portuguesa. Cinquenta anos depois, Helena Neves contou-nos como os militares libertaram Caxias e falou-nos das lutas que travou durante a ditadura, as torturas que sofreu nas mãos da PIDE e como fintou o “lápis azul” em tempos de censura nos jornais e na edição de livros.

Helena Neves, Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024.
Helena Neves, Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024. © Carina Branco/RFI
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Nos 50 anos do 25 de Abril, a RFI falou com vários resistentes ao Estado Novo. Neste programa, ouvimos Helena Neves que esteve presa três vezes e que enfrentou a censura nos artigos que escreveu e nos livros que publicou.

Helena Neves estava presa em Caxias no dia 25 de Abril de 1974. Foi o Movimento das Forças Armadas que lhe devolveu a liberdade perdida nas vésperas da “Revolução dos Cravos”. 

No 25 de Abril, eu estava presa (…) Oiço um grande rebuliço e entram uns soldados com um oficial, abriram a porta, entram na minha cela e dizem “Em nome das Forças Armadas viemos dizer-lhe que está liberta, portanto, pode sair”. Eu já tinha tudo em lençol de banho porque não tinha sacos e ele disse: “Não, não, mas ainda deixa aqui as coisas” e fomos lá para fora. Foi fantástico.

A primeira vez que foi presa pela PIDE/DGS foi em 1969, nas vésperas da abertura da campanha para as “eleições” para a Assembleia Nacional. Helena Neves estava indigitada pela CDE - a Comissão Democrática Eleitoral, ou seja, a frente política dinamizada pelo clandestino Partido Comunista Português. Nessa altura, foi levada para a prisão de Caxias. Nos interrogatórios, conseguiu escapar à tortura do sono, mas não às mãos da guarda Maria José e da inspectora da PIDE Madalena Paes de Lemos, conhecida como “a pide Leninha”.

A agente Leninha começou por lhe dar “meia hora de bofetadas”  para a tentar obrigar a falar em relação a um copiógrafo que tinha sido encontrado na casa dos pais do seu companheiro. Quanto à primeira guarda, insultava-a com “obscenidades” e Helena deixou de ir à casa-de-banho com ela, tendo desde então problemas de saúde.

Na primeira vez em Caxias, ficou presa dois meses. A segunda prisão acontece em 1973. Helena Neves era candidata a deputada pela CDE e foi detida, em Setembro, em Torres Vedras, com outros camaradas que distribuíam manifestos. Foi novamente para Caxias, onde ficou cinco dias. Mais uma vez, nos interrogatórios, deparou-se com a violência atroz da guarda Maria José.

“Eu vim recambiada mais uma vez para Caxias e também houve outros camaradas que foram presos. Quando lá cheguei, a Maria José mandou-me despir completamente e meteu a mão dentro de mim com uma grande selvajaria. Doeu-me imenso. E eu disse: “Mas o que é isso?!” E ela: “Nunca se sabe onde podem guardar coisas”, conta, muito emocionada, para que se saiba que havia mulheres fascistas realmente bárbaras.

A jornalista, escritora e docente universitária nasceu em 1945, o ano em que terminou a Segunda Guerra Mundial e o ano em que a Carta da ONU proclamava “a igualdade dos homens e das mulheres”, mas em Portugal essa igualdade era uma ilusão. Anos mais tarde, Helena Neves viria a integrar o núcleo fundador do Movimento Democrático das Mulheres.

Quando andava no liceu D. João de Castro, uma escola com menos de 20 raparigas, escapou à expulsão depois de ter encenado, de forma considerada subversiva, uma peça de teatro.  Aos 16 anos, entra para o Partido Comunista Português e vai às reuniões com o primo, com a desculpa de que ia para a discoteca. Na Faculdade de Letras, fez parte do secretariado do PCP e ajuda a organizar greves e manifestações. Chega a ser suspensa da Faculdade e vai dar aulas a operários e a outros trabalhadores na Academia de Santo Amaro.

Depois da sua primeira prisão, em 1969, Helena Neves foi impedida de leccionar sob a acusação de “não garantir a Segurança do Estado”. Virou-se, então, para o jornalismo com uma breve passagem inicial pelo Diário Feminino que a PIDE não deixou publicar enquanto ela lá trabalhasse.

O jornal, coitado, teve o primeiro número e foi logo apreendido porque eu estava lá!

Helena Neves trabalhou, depois, no Diário de Lisboa, mas saiu por lhe terem diminuído o salário como sanção por ter assinado um documento que exigia a liberdade de imprensa. Também passou pela revista Modas e Bordados, coordenou o suplemento Presença da Mulher do jornal República, trabalhou no jornal Actividades Económicas que também viria a ser proibido pela PIDE. Por isso, conheceu bem de perto os tempos do “lápis azul”.

Eles tinham tanto receio. É evidente que a censura tinha coisas que nós, previamente, já sabíamos que era possível que fosse censurar, particularmente no jornal República que era dos jornais que mais ousava (…)  Mas havia medo porque as pessoas liam os jornais. Portanto, era o receio de que aquilo criasse um vislumbre de interrogação porque o fascismo aparecia como algo triunfante, mas ele sabia que havia focos que tinham que ser muito bem vigiados.

Helena Neves era bem conhecida dos serviços de censura. Publicou dois livros que foram apreendidos pela PIDE/DGS. "Raízes da Nossa Força", publicado em 1973, juntava textos seus e fotografias de Alfredo Cunha com crianças de bairros de lata da região de Lisboa e foi mesmo objecto de um processo por conter o que foi descrito como “incitamento ao levantamento das populações”. Em 1974, o livro "Mulheres de um Tempo Ainda Presente" também foi apreendido pela polícia política, vindo a ser publicado só a seguir ao 25 de Abril.

Qual era a força subversiva destes dois livros? Helena Neves admite que, no fundo, “o regime devia sentir, nem que fosse inconscientemente, uma certa fragilidade e medo porque sabia que havia oposições” e “tinham medo, tinham muito receio”.

Depois do 25 de Abril de 1974, Helena Neves trabalhou no jornal Avante, órgão central do Partido Comunista Português, continuou no Movimento Democrático de Mulheres e trabalhou na Revista Mulheres, ao lado de nomes como Maria Lamas e Maria Teresa Horta, uma das “Três Marias” levadas a tribunal durante a ditadura pela publicação de Novas Cartas Portuguesas. Em 1999, integrou o primeiro grupo de deputados eleitos pelo Bloco de Esquerda e levou ao parlamento batalhas como a legalização da contracepção de emergência, a união de facto dos homossexuais, a criminalização da violência doméstica, a alteração da lei do divórcio e a questão do aborto. Foi, ainda, dirigente da UMAR, União de Mulheres Alternativa e Resposta, e da Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres.

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