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História e geopolítica dos Jogos Olímpicos

Rio 2016: Crises não impedem o sonho olímpico

Em 2016, Rio de Janeiro acolhe os Jogos Olímpicos em plena crise política, financeira e sanitária que acaba por se repercutir na organização do evento desportivo. O representante do Estado do Rio no Comité Organizador dos Jogos, Leonardo Espíndola, considera que, apesar das dificuldades, o país conseguiu realizar o maior projecto de infra-estrutura urbana da América Latina.

Jogos Olímpicos. Imagem de Arquivo.
Jogos Olímpicos. Imagem de Arquivo. © AFP - ED JONES
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Texto de Maria Paula Carvalho, da RFI  

No Rio de Janeiro, na praia de Copacabana, a multidão festeja o anúncio da escolha da cidade para acolher os Jogos Olímpicos de 2016. Pela primeira vez, uma cidade da América do Sul recebe a maior competição desportiva do planeta. A "Cidade Maravilhosa", entre o mar e a floresta, tem sete anos para se tornar numa metrópole olímpica.

Em 2016, o procurador do Rio de Janeiro, Leonardo Espíndola, representava o Estado brasileiro no Comité dos Jogos Olímpicos. A entidade privada reunia as três instâncias federais envolvidas no projecto: a Câmara Municipal, a região do Rio de Janeiro e o Estado.

O procurador do Rio de Janeiro recorda que a organização dos Jogos Olímpicos foi uma operação única e complexa.

“Os Jogos Olímpicos são como uma operação militar. Organizar mais de 50 competições simultaneamente na mesma cidade, hospedar, transportar e alimentar todos os atletas, bem como todos os envolvidos nos Jogos, ao mesmo tempo, é uma operação complexa e sem precedentes. São 16 dias muito intensos", refere.

Diante de concorrentes como Chicago (EUA), Madrid (Espanha) e Tóquio (Japão), com recursos estruturais e financeiros incomparáveis, o Rio de Janeiro apostou na inovações dos Jogos Olímpicos para conquistar os decisores do COI.

"Comparado com cidades de países desenvolvidos, não há dúvida de que o Rio de Janeiro tinha menos recursos e estruturas. Mas para o Rio, os Jogos Olímpicos seriam uma oportunidade de fazer a diferença. Eles poderiam servir à cidade. Foi, portanto, o argumento mais forte para trazê-los ao Rio", lembra Leonardo Espíndola.

No entanto, a meio dos Jogos Olímpicos, uma crise política, financeira e de saúde abala o país. Enquanto o Rio de Janeiro se preparava para receber atletas de todos os continentes, o Brasil entra numa turbulência política, com protestos contra o governo e um processo de impeachment que visava a Presidente Dilma Rousseff.

O sociólogo Ronaldo Helal, professor da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), explica que “quando o Brasil foi escolhido para acolher os Jogos, estávamos numa boa fase política. Porém, quando os recebemos, o país estava mergulhado num período muito confuso e turbulento".

O Brasil acolhe o evento desportivo com dois chefes de Estado, uma situação única na história dos Jogos Olímpicos. O Presidente em exercício, Michel Temer, e a Presidente Dilma Rousseff, afastada do poder até à conclusão do processo de impeachment. Leonardo Espíndola, procurador do Rio de Janeiro, admite que a crise política “teve um impacto enorme na organização, no diálogo entre todos os seus atores e partes interessadas. Foi muito preocupante".

Por sua vez, o director de comunicação dos Jogos Olímpicos do Rio 2016, Mário Andrada, explica que apesar da transição política ter sido “suave”, acabou por ter um impacto na organização do evento.

"A transição governamental após o impeachment de Dilma Rousseff não foi tão complexa quanto se poderia imaginar. O novo governo de Michel Temer realizou uma transição suave. O que foi complicado para os Jogos e para o Comité Organizador foi a questão financeira com os atrasos da transferência de fundos públicos. Portanto, sofremos muita pressão para os Jogos Paralímpicos. O orçamento foi impactado, mas o governo reagiu imediatamente, transferindo fundos dos bancos públicos, permitindo-nos organizar Jogos Paralímpicos excepcionais", detalhou.

Com um orçamento revisto para mais de 10 mil milhões de euros, num contexto político e económico instável, a equação financeira era um enorme desafio.

"Todo o dinheiro prometido foi pago? Não. Foi um pouco apertado e, no final, a realização dos Jogos gerou dívidas, algumas das quais ainda estão a ser negociadas até hoje", admite Mário Andrada.

Se as coisas se complicavam a nível nacional, o estado do Rio de Janeiro também enfrentava graves problemas internos. "O Rio de Janeiro passava por uma crise financeira muito grave. Com a polícia e os bombeiros a ameaçar entrar em greve, colocando em perigo a segurança dos Jogos Olímpicos, com amplas repercussões internacionais", acrescenta Leonardo Espíndola.

Ao contexto político e económico difícil, acrescentou-se uma crise sanitária sem precedentes: o vírus Zika, transmitido por um mosquito, ameaçava a população com complicações neurológicas, principalmente nos recém-nascidos. A situação era tão preocupante que um grupo de 152 especialistas científicos enviou uma carta aberta à Organização Mundial da Saúde - OMS- a pedir o adiamento dos Jogos.

Thierry Terret sobre Rio de Janeiro 2016.
Thierry Terret sobre Rio de Janeiro 2016. © RFI

O Thierry Terret, historiador especializado nos Jogos Olímpicos, reconhece que esta conjugação de problemas afectou o Comité Olímpico Internacional.

"A estes Jogos Olímpicos, realizados em plena crise económica e instabilidade política, juntou-se a crise sanitária, com o Brasil a ser atingido pela epidemia de febre Zika que afectou um milhão e meio de pessoas. Os órgãos de comunicação de todo o mundo exposeram a crise, acabando por preocupar os espectadores e até mesmo os atletas. Vários deles desistiram de ir ao Rio de Janeiro, com medo de serem contaminados ou de contaminar a família. A febre Zika, como sabemos, é extremamente grave para as mulheres que a contraem, especialmente quando estão grávidas", sublinhou.

Thierry Terret acrescenta que “as incertezas políticas, económicas e sanitárias acabaram por ofuscar as inovações geopolíticas do COI. Foi uma pena, uma vez que se tratavam de inovações construtivas. Como por exemplo, pela primeira vez na história dos Jogos, a presença da equipa olímpica de atletas refugiados no Rio de Janeiro. Composta por um grupo de atletas sudaneses, etíopes, sírios e congoleses, a equipa testemunha, nomeadamente, o reconhecimento pelas autoridades olímpicas de uma situação política e humanitária extremamente única".

O entusiasmo dos cariocas pelos Jogos Olímpicos Rio de 2016 estava fundamentado nas promessas de importantes melhoras na mobilidade urbana, no meio ambiente, na segurança pública e no planeamento dos espaços públicos para lazer e desporto. No entanto, sete anos depois, alguns projetos do legado olímpico ainda não foram concluídos. A Arena do Futuro deu origem a quatro escolas na zona oeste, a mais desfavorecida da cidade, enquanto as instalações do complexo aquático foram utilizadas para a criação de clubes de futebol, entre outros.

No entanto, o desmantelamento da Arena do Futuro e do Centro Aquático, que deveria ter ocorrido a partir de 2017, não foi realizado, reconhecem as autoridades da cidade do Rio de Janeiro.

O subsecretário de Estado do Rio durante os Jogos Olímpicos, José Cândido Muricy, conta que foram realizadas vários projectos, mas reconhece que se poderia ter aproveitado mais.

"Realizamos projectos com 30 anos de idade. Foram feitas renovações na rede ferroviária, nos transportes de autocarro e metre de superfície, estradas e aeroporto. As infraestruturas foram significativamente aprimoradas. Mas acredito que poderíamos ter aproveitado melhor o legado desportivo. É um compromisso a longo prazo: as instalações entregues devem ser utilizadas da melhor forma e devem-se tornar num bem duradouro para a sociedade como um todo", conclui.

Depois do Mundial de Futebol de 2014, que deixou vários estádios inutilizáveis no Brasil, os brasileiros questionavam-se sobre o pós-Jogos Olímpicos do Rio 2016. A nova linha de metro e a reurbanização da zona portuária, entre outras projectos, integravam a lista dos principais benefícios dos Jogos Olímpicos do Rio 2016. Estes projectos foram responsáveis por uma revitalização significativa da cidade, que tinha sido adiada durante décadas.

Leonardo Espíndola, representante do Estado do Rio no Comité Organizador dos Jogos, descreve que o país conseguiu realizar o maior projecto de infraestrutura urbana da América Latina.

“A linha 4 do metro. Não há dúvida de que essa linha, que conecta a zona sul à zona oeste do Rio de Janeiro, não teria sido construída sem os Jogos Olímpicos. Com 16 quilômetros de extensão, é a maior linha de metro que o Rio já teve. Ela transporta os habitantes da Barra da Tijuca e da favela da Rocinha, uma das maiores da América Latina”, destaca.

No entanto, outras estações previstas no projecto nunca foram construídas.

A construção do Boulevard Olímpico, um espaço de ligação entre a zona portuária e o centro da cidade, deu uma nova imagem a uma região que antes estava degradada. Durante o Rio 2016, este espaço, antes abandonado, foi um ponto de encontro e hoje integra as rotas turísticas da cidade. Também se tornou numa área de lazer para a população, que, além da magnífica vista da Baía de Guanabara, conta com museus, espaços para eventos, um aquário e uma roda-gigante.

"O centro está pronto para se desenvolver e receber novos investimentos", acrescenta Leonardo Espíndola.

Sete anos após a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, persistem as alegações de corrupção. Os brasileiros ainda não resolveram completamente as contas e as suspeitas de inflacionamento de facturas ou subornos pairam sobre as obras do projecto olímpico, inclusive na escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos.

O director de comunicação dos Jogos Olímpicos do Rio 2016, Mário Andrada, reitera que “do ponto de vista do comité organizador, responsável pela realização do espectáculo olímpico, supervisão da construção das instalações e organização dos Jogos, está mais do que provado que não houve corrupção. Os números, as compras, os gastos foram verificados e não apresentam problemas”.

 No entanto, está em curso uma investigação judicial no Brasil, visando uma possível compra de votos em favor da cidade do Rio de Janeiro. Mário Andrada insiste que “é a principal suspeita e a única investigação sobre corrupção e procedimentos antiéticos. “A gestão dos Jogos foi correta, e estamos tranquilos quanto a isso”.

O professor Orlando Santos, do Instituto de Pesquisa e Planeamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma que a organização dos Jogos Olímpicos pode ter impulsionado o desenvolvimento de uma cidade, mas um plano audacioso de obras de infra-estrutura, como o que foi feito no Rio de Janeiro, requer acompanhamento.

"A corrupção é consequência de leis excepcionais legitimadas por um evento excepcional. A contratação de subempreiteiros e muitos procedimentos facilitaram atos de corrupção. Isso foi negativo para a gestão pública brasileira", conclui.

Uma vitrine para a cidade e o país

No Brasil, durante duas semanas, atletas de alto nível representaram o melhor do desporto. O atleta jamaicano, Usain Bolt, entrou para a história ao conquistar a medalha ouro nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, Pequim e Londres. O nadador americano Michael Phelps despediu-se das piscinas olímpicas do Rio de Janeiro, onde subiu seis vezes ao pódio, totalizando 28 medalhas olímpicas na carreira, incluindo 23 de ouro.

Leonardo Espíndola destaca que “os Jogos Olímpicos são um evento que toca a população, celebram a unidade, a solidariedade entre os povos. É um legado intangível do qual o Rio de Janeiro se beneficiou. A chama olímpica, que percorreu várias cidades do Brasil e do mundo, simboliza esse espírito olímpico que devemos manter vivo. Claro, há um grande negócio por trás dos Jogos, mas esse sentimento, essa pureza é algo que não pode ser perdido".

Para o director de comunicação dos Jogos Olímpicos do Rio de 2016, Mário Andrada, foram, provavelmente, os 30 melhores dias da história do Rio de Janeiro.

"Quem esteve aqui durante os Jogos não esquecerá, e nós também não. Os Jogos foram impecáveis, os atletas foram bem tratados, as competições começaram no horário, enfim, os Jogos foram formidáveis. Mostramos o que o Brasil é capaz de fazer, apesar de todos os seus problemas", concluiu.

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