Somália denuncia acordo entre Etiópia e Somalilândia
Corno de África – Centenas de pessoas manifestaram-se nesta quarta, 3 de Janeiro, em Mogadiscio, capital da Somália, contra o acordo assinado a 1 de Janeiro entre a Etiópia e a Somalilândia garantindo o acesso ao mar a Addis Abeba através do porto de Berbera, na região separatista da Somalilândia. A Etiópia deveria reconhecer a independência do território, facto denunciado por Mogadiscio como uma "agressão".
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A Somália denuncia um texto ilegal e uma violação flagrante da sua soberania, denunciando um acordo nulo e inexistente. O país pediu que a União Africana e a Organização das Nações Unidas tomassem posição sobre o caso já que desde a proclamação unilateral de independência da Somalilândia nenhum país reconheceu até ao momento a independência do território.
Por seu lado o governo da Etiópia garantiu não ter violado nenhuma lei, alegando, apenas, num comunicado levar a cabo "uma avaliação aprofundada com vista a tomar posição quanto aos esforços da Somalilândia para obter um reconhecimento" internacional, segundo revela a agência AFP.
O governo etíope revela que o acordo oferece à Etiópia " a possibilidade de uma base naval permanente e fiável e serviços marítimos comerciais no Golfo de Aden graças a um acordo de arrendamento" e "permite à Somalilândia obter o tipo de assistência e de parceria que nunca teve de nenhum país, respondendo também aos seus pedidos de longa data".
O porto de Berbera, situado na parte sul do Golfo de Aden, cruzamento comercial de relevo na entrada do Mar Vermelho, que leva até ao Canal do Suez, e Lughaya, mais a leste, seriam os acessos que a Somalilândia garantiria à Etiópia no seu litoral.
Manuel João Ramos, especialista do Corno de África no ISCTE de Lisboa alega que este protocolo é a formalização de um facto consumado.
"É a formalização de um facto, de alguma forma, já consumado. A Etiópia, embora até agora não tenha reconhecido formalmente a Somalilândia como independente, na verdade sempre esteve próximo de o fazer. Porque, evidentemente, interessa ao governo etíope ter uma porta para o mar. Há coisa de dois meses o primeiro-ministro fez uma quase ameaça velada de intenção de ter um acesso ao mar na Eritreia. Imediatamente as forças armadas eritreias deslocaram-se para a fronteira. Para evitar um conflito com a Eritreia esta formalização é uma espécie de "plano B" por parte do governo etíope para garantir mais um acesso ao mar. Porque, de alguma forma, uma parte do problema é que o acesso que tem ao mar através do Jibuti implica taxas de porte muito elevadas e, portanto, o acesso ao mar, através de Berbera, é uma alternativa económica e uma nova possibilidade de importação e de exportação. Agora que a integração da Etiópia no BRICS está também praticamente formalizada. "
O investigador não acredita, porém, numa escalada militar entre a Etiópia e a Somália, não obstante um longo historial de conflito entre os dois países vizinhos.
"Penso que [um conflito] militar não [é de prever]. Não me admiraria que guerrilhas e atentados possam vir a ocorrer, mas essa é uma longa história já nas relações entre a Somália e a Etiópia. Há mais de vinte anos que as tensões existem: a entrada das forças armadas etíopes para a estabilização da Somália em 2006 elevou muito os ânimos e as tensões ! Portanto é uma história antiga. Para não falar da guerra entre a Somália e a Etiópia em 1978. Portanto a situação de conflito está lá, sempre latente ! E imagino que esta iniciativa, por parte do governo etíope venha, de facto, levar a uma resposta diplomática e a um conflito de baixa intensidade com a Somália ou da parte da Somália. Embora o governo somali esteja com pouca capacidade para fazer valer os seus interesses neste momento."
Manuel João Ramos, a Etiópia e a Somália, 3/1/2024
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